Topo

Tatiana Vasconcellos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Sexualizar o próprio corpo empodera ou aprisiona ainda mais a mulher?

Cantora Anitta: primeiro lugar no Spotify global com a sexy "Envolver" - Reprodução/Instagram
Cantora Anitta: primeiro lugar no Spotify global com a sexy "Envolver" Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

01/04/2022 04h00

Anitta, no topo do mundo com "Envolver", e Miley Cyrus juntas no Lollapalooza voltaram a despertar discussões sobre a sexualização das artistas pop. Admiro as duas por motivos diferentes, assim como tantas outras que têm em comum o fato de colocarem seus corpos a serviço de seu sucesso.

Mas me questiono: sexualização é empoderamento? Ou a sexualização é um meio de obter poder? Poder é ser conhecida e ter a música cantada no mundo inteiro, cuidar da própria carreira, usar seu corpo como bem entender, ser consciente disso e ganhar muito dinheiro. São todos códigos masculinos, determinados por um sistema comandado por homens. Uma das ferramentas de que mulheres lançam mão para sobreviver e ascender em ambientes que reproduzem lógicas machistas é usar dos mesmos códigos para conquistar espaço e mostrar seu talento. E isso não é legítimo?

Na semana retrasada, aqui neste espaço, trouxe uma entrevista com a Mariana Stock, da Prazerela, a respeito da democratização da discussão sobre orgasmo e o quanto isso pode ter impactos complexos para as mulheres, que finalmente estão conversando mais sobre sexualidade. Pode ser muito libertador, mas também opressor.

"O fato de esse assunto estar em alta faz com que o capitalismo se aproprie da pauta e que ela vire mais uma demanda para a mulher. 'Se está todo mundo falando disso, se todo mundo tem orgasmos, eu tenho que ter também. Se não, não estou à altura dessas mulheres que têm essa vivência'", opina Marina.

Nesse sentido, a mulher empoderada seria a mulher transante, bem resolvida com seu corpo e sua sexualidade. Mulher empoderada é mulher cheia de poder. Mas o poder feminino também foi fagocitado pelo sistema. Mulher empoderada é mulher sexualizada.

"Ai, mas até parece que isso começou agora, olha a Madonna". Parênteses rápidos: Miley Cyrus me lembra Madonna, menos rebolante e mais rock'n'roll: curto! Fecha parênteses. Que caminhos Madonna abriu? Que transformações ela provocou e o que essas mudanças representaram na evolução em direção à liberdade de comportamento? Fui uma criança que ouviu "Like a Virgin", uma pré-adolescente que assistia ao clipe de "Like a Prayer" na MTV e achava: uau, transgressor.

via GIPHY

Mas aí me surgem mais dúvidas: as artistas contemporâneas estão usando o poder conquistado via sexualização para hackear e mudar o esquema todo ou apenas estão reproduzindo a mesma lógica de servir seus corpos à objetificação?

Um estudo reunindo as opiniões de 401 artistas independentes, compositoras, produtoras e DJs de todo o mundo, chegou a números gritantes, porém não surpreendentes: 81% acham que é mais difícil para artistas mulheres obterem reconhecimento do que para artistas homens. A pesquisa foi divulgada há um ano, pela Midia Research e a TuneCore/Believe —plataforma global de administração de carreiras de artistas independentes— e, com dados de realidade, nos dá a dimensão da questão.

Ainda segundo o levantamento, 90% das entrevistadas disseram ter experimentado preconceito inconsciente, quase metade delas frequentemente. E quase dois terços delas identificaram o assédio sexual ou a objetificação como um desafio importante, sendo de longe o problema mais citado.

A sexualização, meio de poder e ascensão para tantas divas pop, é a barreira mais citada por tantas outras artistas menos célebres. Sendo a sexualização assumida como meio natural de sucesso, não é difícil resvalar no abuso e no assédio. Sendo assim, termino com mais uma pergunta: que significados do que é ser uma mulher livre e bem-sucedida a cultura pop tem produzido e estabelecido?

Para ouvir: "Show das Poderosas" - Anitta.