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OPINIÃO

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"Não sou casal", por que homens como Arthur, do BBB, fogem de compromisso?

BBB 21: Depois de dez dias de romance com Carla Diaz, Arthur diz: "eu não sou casal não" - Reprodução/ Globoplay
BBB 21: Depois de dez dias de romance com Carla Diaz, Arthur diz: "eu não sou casal não" Imagem: Reprodução/ Globoplay

André Lage

Colunista de Universa

20/02/2021 04h00

Carla Diaz e Arthur Picoli têm vivido um romance no BBB21 há uns 10 dias. Como lá tudo é muito intenso, já deu tempo de rolarem cenas tórridas debaixo do cobertor, beijos em cantos variados da casa, Carla já declarou estar apaixonada e aqui fora shiparam o casal com o nome de "Carthur".

Mas se na quarta o amor estava no ar, na quinta o negócio já desandou e começaram as primeiras rusgas... Carla ficou chateada com algumas atitudes dele e em vez de conversarem, rolou aquele gelo clássico. Projota foi conversar com ele e sugeriu que tivesse que agir como casal. Arthur ficou visivelmente incomodado, deu uma de Fiuk e retrucou "Eu não sou casal não". E fiquei pensando sobre a fobia de compromisso que vemos na maioria dos boys, mas principalmente em homens como Arthur.

"Perdemos um soldado"

Essa frase clichê é dita pelos amigos homens quando um deles começa a namorar. Dentro da masculinidade mais tradicional, existe uma ideia de que a virilidade masculina está diretamente relacionada à pegação, como se a solteirice fosse um eterno videogame onde eles competem entre si pelo número de mulheres conquistadas em um placar imaginário. Recentemente entrevistamos o pesquisador da psicologia da masculinidade João Luiz Marques e ele afirma que:

"A conquista é o que vai reafirmar essa masculinidade. A partir do momento que você entra em um relacionamento, isso enfraquece a tua masculinidade. Você não é "tão homem" quanto teu amigo que está solteiro" .

Síndrome de James Bond

Claro que nem todos os homens são assim, existem homens que não performam e nem querem performar essa masculinidade, mas quando olhamos para Arhur, conseguimos entender o comportamento. Um instrutor de crossfit, bonitão, que vive exibindo seus músculos para o Brasil inteiro e que escolheu justamente a garota "padrão Barbie" da casa pra conquistar? Temos todas as dicas de que ele se formou dentro desse estereótipo do macho alfa, o suprassumo da masculinidade tóxica.

Com isso não estou querendo dizer que ele é um algoz nem que tem atitudes maquiavélicas, muito pelo contrário. Os homens que desempenham esse papel de machão têm uma pressão interna gigantesca para provar constantemente sua masculinidade, porque ela nunca é absoluta e é sempre reavaliada pelos pares.

E como um homem prova que é "homem de verdade"? Conquistando mulheres, mostrando sua virilidade sexual através do consumo de pornografia, mostrando seus músculos e tendo atitudes corajosas. Uma mistura de James Bond, Super-homem e Indiana Jones, com uma pitada de Rambo.

Dentro desse pacotão maravilhoso também está o clássico "menino não chora", que aplicado durante toda uma vida resulta em homens com um repertório afetivo ínfimo. Eles nunca foram incentivados a entrarem em contato com suas emoções e nem sequer conseguem nomear o que estão sentindo. Isso afeta quase todos os homens, mas muito mais aqueles que tentam se encaixar nesse papel do macho alfa. Essa desconexão com o mundo interior gera ansiedade, medo, confusão, depressão e resulta em violência contra si e contra outros.

Claro que é papel dos homens procurarem ajuda pra começar a se entender melhor, mas no pacotão também tem uma regra não dita de que você tem que dar conta de tudo sozinho e que pedir ajuda é demonstrar fraqueza. Isso não é uma passada de pano, é apenas uma constatação. Dito tudo isso, vamos pra onde podemos agir...

Vide Bula

Eu não vim aqui dizer que Arthur está certo ou errado, ele de certa forma está preso dentro de um sistema muito bem intrincado da Casa dos Homens, como define a professora Valeska Zanello. Podemos explicar isso tudo pra ele e, se ele quiser, irá procurar ajuda.

Mas minha provocação hoje vai à quem quer se relacionar com homens: não adianta dar murro em ponta de faca, precisamos ler os sinais mais evidentes e se empenhar em mudar o padrão de escolha.

Carla quer uma relação, se apaixonar... e escolhe justamente o cara que sempre performou essa masculinidade mais tradicional. O pacote inclui o tanquinho, o maxilar quadrado mas também inclui todos esses comportamentos e crenças limitantes que vão entrar em curto-circuito com os desejos dela. Se todos os gostosões do crossfit querem continuar nessa eterna competição e você quer algo diferente, não adianta dar um gelo ou tentar mudar essa pessoa: ele tem o processo dele e só vai mudar se ele quiser.

E atenção, o machismo pode ficar mais evidente em boys dentro do estereótipo, mas tem muito cara que performa uma masculinidade supostamente desconstruída mas ainda mantém esses valores internamente (vulgo esquerdomacho).

Então minha provocação é: se você vive dizendo que tem o dedo podre porque ninguém quer nada com nada, será que está escolhendo justamente os caras que estão presos dentro dessa ideia meio cafona do que é ser homem? Tem milhões de homens por aí que não performam esse machão, mas que estão super a fim de construir uma relação verdadeira e não terão esses melindres de quinta série mental.

Precisamos nos responsabilizar pelas nossas escolhas e parar de acusar sempre o outro. O melhor que você pode fazer é começar a questionar o quanto de machismo tem no seu próprio gosto e o quanto ele foi construído por uma cultura que valoriza muito mais a quantidade de testosterona no corpo que de fato como essa pessoa te trata.

Não é fácil. É um processo, mas se queremos um mundo mais igualitário, precisamos começar a valorizar aspectos da masculinidade que vão além de ser um cossplay de Rambo.