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Soltos

Estamos prontos pra ter um papo maduro sobre tesão?

André Lage

Colunista do UOL

06/01/2021 04h00

Rola um match no Tinder, vocês trocam mensagens e gifs fofos por durante umas duas semanas. Passam pro WhatsApp, você stalkeia as redes dele até 2015 e uns 15 dias depois vem o convite pro primeiro date. Finalmente alguém interessante! Será que vai ser ele?

No dia e hora marcados, você aparece no tal barzinho. Você se produz toda para esse encontro, quer que tudo saia perfeito. Pra sua surpresa, ele é como nas fotos e o papo é legal. Vocês se divertem mas...falta alguma coisa que você não sabe o que é. Em vez das borboletas, começa bater aquele desespero de não se sentir tão atraída por ele como você se sentiu por aquele traste que destroçou seu coração.

Ao final do encontro, vocês se beijam mas continua aquela coisa morna e você pensa: "não é possível, acho que só gosto de quem não gosta de mim... Será que to me sabotando?". Já aconteceu isso com você?

Precisamos falar sobre o tesão!

Há uma grande distância entre gostar da aparência (e do papo) de alguém e querer beijar essa boca. O nome disso é tesão, uma pulsão do nosso inconsciente que não está sob nosso controle, mas que devemos respeitar. Somos animais racionais, mas muitas vezes esquecemos que somos animais e, como todos os mamíferos, somos extremamente sensoriais.

Em espanhol existe uma expressão que resume muito bem quando a gente sente esse algo a mais por alguém: "tenemos piel"! Que, traduzido livremente, seria: nossa pele deu liga. O olhar, a risada, o cheiro do pescoço, o tom de voz, o jeito de dançar, o hálito, a proporção do corpo e até o ritmo da respiração; tudo isso são informações que vamos absorvendo nesse primeiro date e algumas vezes elas disparam essa gana de beijar essa boca e outras vezes não.

Isso é totalmente natural, mas sinto que estamos em tempos tão mentais, que fica difícil escutar o nosso próprio corpo.

E não estou dizendo que existe um tipo físico ou de comportamento que dá tesão em todos. Tudo isso depende das nossas experiências, referências e desejos inconscientes. O fato é: ninguém consegue dizer exatamente o que dá tesão, mas sabe quando está sentindo. Algo que você não sabe definir, te gerou esse desejo de fazer seu corpo entrar em contato com o corpo dessa pessoa. Tem coisa melhor?

Não bateu e tudo bem

Falo isso tudo porque vejo muitas mulheres culpadas ou achando que tem algo de errado com elas quando não conseguem gostar de alguém que preenchia todos os requisitos. Você não controla seu tesão, nem ele o dele. Todos temos o direito de não nos sentirmos atraídos pela pessoa com quem conversamos horas a fio através de um celular, porque somos animais. E, convenhamos, não há auto violência maior que nos forçar a fazer algo que não estamos com vontade.

Vi alguns vídeos na internet sobre as razões pelas quais as mulheres não conseguem gostar de caras legais. Muitos deles falam sobre autosabotagem e outros incentivam a mulher a insistir (aff?), mas absolutamente nenhum deles mencionava o tesão! Parece que às mulheres só é permitido o "gostar", então se ela não curtiu o cara no primeiro encontro é porque não se apaixonou e se ela gostou dele é porque se apaixonou? Mas será mesmo?

Claro que pode rolar paixão à primeira vista (saudades adolescência!), mas é raro. Na maioria dos casos, podemos ter sentido tesão por esse cara e quem sabe isso pode se tornar uma paixão, mas há uma certa confusão entre as sensações. Paixão não é tesão. Sem tesão é difícil rolar paixão, mas pode muito bem rolar tesão sem paixão nenhuma.

Já pros homens a situação é inversa, há quase um tesão compulsório. Se a mulher é bonita, ele obrigatoriamente tem que sentir tesão, ou não é homem? O que obviamente é uma falácia. Inclusive tenho pra mim que muitos homens brocham porque não respeitam seu tesão e se forçam a transar com alguém por quem eles achavam que deveriam se sentir atraídos.

Tem muita gente legal que não vai te dar tesão. E tem muita gente legal (e também escrota) que vai te dar tesão. É um complexo processo físico e mental. Nós podemos influenciar a maneira como entendemos as relações e desconstruir através de análise e com nosso curso, onde trabalhamos muitos padrões mentais que nos impedem de ser felizes, por exemplo.Mas não podemos dominar nosso corpo e nosso desejo.

Mais olho no olho, por favor

Precisamos ter mais humildade e reconhecer nossa condição linda de mamíferos racionais que podem ter idéias maravilhosas e mudar o mundo, mas que experienciam o mundo através dos cinco sentidos e não através das telas.

Pensar sobre isso tira um peso enorme das nossas costas. Primeiro porque vamos querer parar de nos culpar por não conseguir sentir atraído por aquele cara que era tão legal, só não rolou. E depois porque o mesmo acontece com todos e quando alguém não se interessa por nós, paramos de achar que foi o número de mensagens que mandamos e cogitamos essa possibilidade muito real: só não bateu. E baterá com alguém.

Em 2021, convido você a escutar mais seu corpo, respeitar os limites e ser fiel a ele. Bora juntxs nessa jornada de autorrespeito e autonomia dos desejos?


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