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Atenção, solteiros: eis o manual de sobrevivência para o Natal em família

Carol Tilkian

23/12/2020 04h00

Amanhã é noite de Natal e devo confessar que por aqui estão rolando sentimentos conflitantes: por um lado tô feliz em rever parte da família mesmo que de máscara, com bastante distanciamento e sem os abraços apertados. Agradeço muito por estarmos todos saudáveis e por termos o privilégio de rever minha avó de 95 anos ao vivo após meses tentando fazer ela aprender a ligar a câmera do Facetime. Por outro lado, já sinto calafrios ao prever a pauta da ceia natalina: a minha solteirice.

Não sei se sua família é como a minha, mas por aqui comentários como: "Tão bonita e ainda solteira?"; "Será que vou morrer sem te ver casar?" ou "A Lúcia filha da Dora já teve o segundo filho? Vocês estudaram juntas né? Ficou pra trás minha filha..." são trending topics nas reuniões familiares.

Não importa que minha prima não transe com o marido há 3 anos, ou que meu tio esteja deprimido e cheio de dívidas, parece que o grande foco de pena e condescendência nessa árvore genealógica sou eu - a fruta que não deu novos frutos e pode apodrecer solitária na prateleira dessa quitanda do amor.

Não sei se é o lance de ser um feriado mais "família" - e aí eles me olham com pena por que eu não tenho a minha nova familhinha - ou se é o lance das crianças serem o centro das atenções - e eu passo a ser olhada com pena por que não segui a recomendação do "crescei e multiplicai-vos", mas parece que no Natal essa cobrança sobre minha solteirice vem em maior quantidade do que as passas no arroz.

Tô tensa aqui por que algo me diz que esse ano vai ser pior. Faz um ano que ninguém sai de casa, que assunto as pessoas vão ter pra dividir na ceia? Obviamente o primeiro papo vai ser sobre os números da pandemia e a angústia desses nossos tempos. Aí o clima vai pesar e pra descontrair meu tio bonachão vai fazer uma piada infame sobre minha solteirice dizendo sem delicadeza que tô "passando do ponto".

Pronto, é o que precisava pra abrir a pauta para o palpite de todos os parentes. Tem os que julgam, os que dizem que querem apresentar o cara do RH que acabou de se separar, os que fazem o favor de me contar que seguem meu ex-namorado nas redes e viram que ele já teve o terceiro bebê.

E se vocês acham que eu tô exagerando: minha avó me ligou esta semana preocupadíssima dizendo "Minha filha, mas você tem que achar alguém". Eu respondi: "Vó, a gente tá no meio de uma pandemia. Não dá pra ficar encontrando pessoas". E ela retrucou: "O tempo tá passando? tão triste te ver mais um Natal sem ninguém". Eu neurótica tomando banho de álcool gel pra poder ver ela minimizando os riscos, e ela desolada porque estou solteira -tá bom pra vocês? E pior, achando que eu deveria estar beijando bocas pra conhecer alguém e colocar a saúde da família inteira em risco.

Agora que já compartilhei meu drama familiar, trago aqui algumas estratégias que preparei pra enfrentar os comentários infames. Se a sua família é como a minha, já anota as estratégias num caderninho. Assim a gente não engole sapo nem peru a seco e também evita responder com grosserias e ficar culpada porque fizemos o clima pesar num Natal tão delicado quanto esse.

Estratégia 1 - faz a IBGE

Contra fatos não há argumentos, já diz o ditado popular. Quando criticarem seu estado civil diz que você é precursora de tendência e que faz parte da maioria. Já conta que segundo o IBGE, 60% dos brasileiros acima de 15 anos é solteiro, que os divórcios cresceram 160% nos últimos 10 anos e que, só durante a pandemia, a procura por advogados de separação cresceu 177%.

Aproveita e conta ainda que a futuroligista Lydia Caldanas dividiu com a gente que está pra ser implementada uma lei em alguns países que classifica o "solteirismo" como crime. Solteirismo é o preconceito explícito com os solteiros. Ou seja, o próximo comentário infame do tal tio bonachão pode nos garantir uma graninha pra aproveitar uma viagem de Carnaval.

Estratégia 2 - Apela pro bolso

Pegando o gancho dos dados do crescimento da separação que você citou acima, conta pra sua família que se manter solteira foi a maior economia que você poderia ter oferecido pra eles. Mostra pra sua Tia Cleyde o quanto ela economizou ao não ter que comprar aquele jogo de baixelas de prata pra te dar de presente de casamento. E além de economizar uma grana você ainda poupou ela do desgosto de ainda estar pagando as parcelas das tais baixelas e você já ter se separado (porque convenhamos, muito casamento por aí dura menos que o carnê das Casas Bahia).

E ainda tem a economia natalina. Não trazer alguém pra ceia é poupar todos os parentes de terem que gastar dinheiro comprando lembrancinha pra um estranho ou pior, gastando uma grana maior tendo tirado ele de amigo secreto. Não sei se sua família também é assim, mas aqui em casa todo mundo odeia tirar os maridos/esposas/namorados dos familiares e rola um mercado clandestino de trocas de papeizinhos pra evitar os agregados. Pronto. Você tá poupando essa prática ilegal.

E finaliza dizendo que você ainda tá poupando sua avó de passar mais 18 horas na cozinha fazendo um outro tender ou um outro peru, por que você não trouxe a família do seu namorado pra ceiar com vocês. Aliás, você poupou a grana dela, o tempo no fogão e a lábia de todos os seus parentes que iam ter que ficar tentando puxar assunto com quem não tem nenhuma afinidade.

Estratégia 3 - Faz a evoluída

Já que é Natal, por que não encarnar a mensageira do amor e da paz e rebater os comentários ácidos com palavras doces, benevolentes e superiores? Fala pra sua tia mais carola que você está exercitando os ensinamentos de Jesus e perdoando a todos por seus comentários maldosos. Diz que quando Jesus diz "amai aos outros como a ti mesmo" ele nos ensina que precisamos começar nos amando e que esse exercício de auto-amor nós temos feito todos os dias. Diz que você tá ótima e que se aparecer alguém legal vai ser gostoso, mas que a gente não pode colocar nossa felicidade nas mãos de alguém.

Ensina eles que desejar namorado de presente de natal é démodé. O bonito é desejar que as pessoas sejam felizes. Finaliza fazendo a Bela Gil e ensinando: na próxima reunião familiar você pode trocar o "gosto tanto de você, quero muito que você encontre um namorado" para o "gosto tanto de você, espero que você esteja feliz". E pra colocar a cerejinha no bolo, mostra que você já tem esse olhar pra eles e pergunta de coração, olhando no olho de cada um "e vocês, estão felizes?".

Só de termos sobrevivido a esse ano caótico e podermos estar juntos, já é motivo pra nos alegramos não acham? Pra felicidade completa não tá faltando namorado não. Só tá faltando a vacina!

Feliz Natal!