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Você também fica mais carente no fim do ano? Isso pode ser "dezembrite"

Colunista do UOL

02/12/2020 04h00

"Então é Natal, e o que você fez?" já canta Simone desde a nossa infância trazendo junto com o panetone uma espécie de cobrança cósmica sobre o balanço do ano. É como se tivéssemos que acertar as contas com nós mesmos e, se você é como eu, as chances de se frustrar perceber que sua listinha de desejos e metas ainda está com muitos itens pendentes, são gigantes.

E talvez (se você também é como eu), um dos itens não riscados da sua listinha era encontrar um cara legal pra um rolinho fixo (nem estamos mais pedindo o amor da vida, tá, Papai Noel? só uma conchinha frequente). Aí, nós que lidamos bem com a solteirice, com a liberdade e com a tal modernidade líquida, vemos brotar uma carência e uma melancolia quase que repentinas, assim que o calendário vira pro mês 12.

Esse texto de hoje é pra dizer que se você está solteira e carente. Você não está sozinha. Essa carência e sensação de tristeza e desamparo tem até nome: "Dezembrite" - Síndrome da Depressão de Natal ou "Christmas Blues", termo foi cunhado pelo psiquiatra americano James P. Cattell. Segundo estudos, essa síndrome acomete 30% das pessoas da população ocidental. Decidi entender quais as causas dessa sensação horrível pra ver se podemos lidar com ela de uma forma minimamente saudável, sem descontar a frustração no excesso de álcool e compras (segura o cartão de crédito até o fim do texto).

Colocando os vínculos em cheque

Esse é um período que a gente imagina passar perto das pessoas queridas. Ainda mais num ano caótico como esse, dezembro pede uma espécie de colo de alguém que nos diga que está tudo bem estarmos exaustos, não termos cumprido todas nossas metas e, de quebra, nos ofereça uma rabanada quentinha. Obviamente nossos contatinhos paqueras de Tinder não têm intimidade pra cumprir essa função. Carência nível um começa a bater à nossa porta.

"Todos nos precisamos de amparo, todos nos temos uma série de pendências emocionais que nos aterrorizam. Nesse período do ano as pessoas ficam mais sensíveis e afetivas e se percebem que não tem com quem fazer vínculos, tendem a se deprimir" comenta o psicólogo Marcos Lacerda. Mas esse desamparo não é necessariamente maior entre os solteiros e sim entre aqueles que sentem que todos os seus elos emocionais andam frouxos.

Pois é, as coisas complicam mesmo quando a gente começa a se dar conta que já não tem mais tanto papo com aquelas amigas da escola que seguem fazendo o famigerado amigo secreto de calcinhas. Ou quando você se dá conta de que a mesa de Natal da sua família parece mais uma reunião protocolar de condomínio onde está todo mundo esperando para se empanturrar e ir embora. Parece que a desconexão na família surge assim que a última criança cresce e aquele tio gordinho para de se vestir de Papai Noel. De repente vira um monte de gente que já foi muito próxima e hoje pensa muito diferente e bate papo por educação. Carência nível dois ativada aqui.

O fantasma do Natal passado e a coleção de perdas

Ao nos darmos conta de que nossos vínculos se perderam, automaticamente nos catapultamos numa ruminação nostálgica comparando esse natal caótico atual com natais antigos que pareciam fazer muito mais sentido. Nesse flashback gigante não sei vocês mas eu me sinto completamente perdida e impotente. Parece que rola um pensamento de "onde foi que as coisas se perderam?" e "como foi que parei de ficar feliz no Natal"?

Naturalmente resgatamos as memórias dos Natais em que nossas mães e avós ainda não tinham morrido; daqueles onde a turma do trabalho parecia nossa segunda família e engatava 8 happy hours natalinos na semana ou aquele em que estávamos apaixonadas pelo Claudio Augusto (que hoje já está casado com outra postando foto de família vestido em vermelho e verde) e achávamos que no ano seguinte daríamos o próximo passo rumo a um noivado (mais um ponto da listinha de sonhos não realizados sendo esfregada na nossa cara). Carência nível 3 batendo à nossa porta.

O drama da felicidade compulsória

E a foto da tal família feliz do Claudio Augusto é também um exemplo da opressão que começa a rolar por estar vivendo a tal magia de natal. A gente sabe que propaganda natalina é feita pra gente se endividar comprando coisas que não precisa e que a vida do instagram é pra lá de editada. Mas quando rola uma overdose de famílias sorridentes e palavras de esperança que nos encontra bem nessa fase perdidos e amargurados, o efeito rebote pra mim é instantâneo.

E aqui eu entro em duas piras: primeiro me sinto mal por estar deprê. Depois me sinto culpada por estar mal. Pois é, porque pra tentar sair da tal melancolia natalina, tentei me jogar nessa onda holística de lei da atração e meditação da abundância. Nessa lógica você atrai as coisas a partir da energia que está vibrando. Ou seja, se estou miserável e carente, seguirei atraindo a escassez para o ano que chega? o que me levará a uma projeção nada animadora de um próximo natal ainda mais solitário. Carência nível 4 com requintes de autocobrança e autopunição.

Se preparando pra sabatina da Tia Cleyde

E por último, pra colocar a cerejinha no bolo de natal, como se não bastasse a gente ter que lidar com a própria frustração de passar mais um ano sem um romance engatado, já rola uma ansiedade de ter que lidar com os comentários maldosos da Tia Cleyde que vai me olhar com piedade e dizer que não queria morrer sem me ver casar.

É óbvio que ela faz esses comentários infames em toda reunião de família e eu, que não sou boba, já tenho boas respostas irônicas e absurdas pra colocar ela no seu lugar. Mas em casos de carência e sensibilidade natalina ser ácida e madura é sempre mais difícil e eu sofro um pouquinho por ter que ser forte sozinha. Carência nível 5 e eu prestes a explodir!

E como solução, um presente inusitado e essencial

Pra não ficar só chorando minhas pitangas carentes aqui, fui pesquisar pra entender como podemos lidar com a síndrome da depressão de natal e trago boas notícias: Especialistas afirmam que ela tende a passar com a virada do ano. Ou seja, podemos encará-la como uma ressaca prolongada, que demora mas passa.

A melhor dica pra sobrevivermos a esses dias turbulentos que eu encontrei foi da psicanalista inglesa Sheri Jacobson: SE DÊ LIMITES DE PRESENTE.

  1. Limite sua autocobrança: Nada é tão exaustivo quanto tentar parecer feliz pra você, para a sua turma do amigo secreto de calcinhas e pra sua tia Cleyde. Tudo bem não estar tudo bem. O portal das boas energias não vai se fechar. A carência não vai explodir. Pegar mais leve com a gente mesmo e nos darmos colo é o primeiro passo pra aplacar essa sensação de desamparo

  2. Limite seu derrotismo: Tem um TED maravilhoso de um coach de futebol americano que fala que em momentos de derrota devemos nos lembrar de pequenas conquistas e alegrias. Ele fala que devemos escrever em um caderno todas as nossas vitórias e momentos bons cotidianos para que possamos relembrar que não somos tão miseráveis assim. Já peguei meu caderninho de metas e substitui as coisas a fazer pelas conquistas

  3. Limite suas metas: Se quiser seguir nas metas, ao invés de preparar mais um caderno com 28 itens de sonhos e desejos pra 2021, pense em 5 que são importantes e factíveis. Isso ajuda a gente a priorizar as coisas e minimiza a possibilidade de frustração futura

  4. Limite sua vida social: Aqui vale um conselho a la Bela Gil - Você pode substituir um happy hour com gente que já não tem tanto a ver com você por um dia delícia de autodate. Aproveite esse final de ano e tire um dia só pra você, pra curtir a sua companhia e se cuidar, essa é uma ótima maneira de restabelecer o vínculo com nós mesmas.

Em épocas de vínculos frouxos, talvez o primeiro deles a ser refeito seja com nós mesmos. Topa se dar esse presente também?

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