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Soltos

Criei um ritual pra enterrar um amor do passado e foi libertador

Colunista do UOL

02/11/2020 04h00

Já que hoje é Dia De Finados quis trazer aqui uma reflexão que tenho feito sobre a importância de viver o luto das relações amorosas que não vingaram. Em tempos de amores líquidos nem sempre as coisas ganham pontos finais e, sem perceber, carregamos com a gente muitas histórias que "poderiam ter sido" ou que "podem um dia acontecer". Chamo isso de "amores de reticências".

Dentro desses amores de reticências vejo duas categorias que bagunçam bastante minha cabeça, meu coração e são pratos cheios para me manter num combo perigoso de esperança e autoengano:

1. os lances que definham sem explicação: é aquela pessoa que você conhece, começa a sair com mais frequência, rola uma paixonite mas nada de rótulos. De repente, as saídas semanais viram quinzenais, as mensagens diárias se tornam emojis esporádicos e a coisa míngua. Nenhuma ruptura abrupta, nenhum papo sobre fim. Em geral a gente simplesmente não sai mais com a pessoa, mas continua seguindo no Insta, volta e meia rola um emoji por inbox... Um prato cheio pra achar que a porta ainda está aberta e um dia poderemos passar por ela de novo

2. os desencontros da vida: Rolos ou paixões permeadas por momentos mágicos com direito a noite de estrela cadente e papos filosóficos que a gente acredita não continuaram por conta de obstáculos externos: mudanças de cidade, problemas com familiares, pepinos no trabalho... E como temos um carinho especial por essas pessoas e por esses momentos, ficamos achando que assim como a vida afastou a gente, uma hora as energias cósmicas vão nos reaproximar.

Autoengano, quem nunca?

Como nesses "amores de reticências" a pessoa nunca deixou claro que não estava mais rolando, é um pulo pra gente achar que não foi por falta de interesse e sim pelos tais desencontros da vida ou até por vênus retrógrado. Ou seja, uma hora tudo pode voltar a rolar. Tem um lado nosso que gosta de se manter levemente iludido e idealista, como se visse beleza nesse cultivar um amor especial em meio a um mundo de relações descartáveis.

Não sei se isso acontece com vocês mas comecei a me dar conta de que carregar esses meus "eternos talvez" me impedia de estar aberta de verdade para outros amores e me mantinha conectada em histórias que existiam muito mais na minha cabeça do que na realidade.

Meu amor de reticências
Eu tive um amor de reticências que carreguei por anos. Em 2010 conheci um cara 3 dias antes dele ir morar fora, vivemos dias de paixão louca e a vida levou cada um para um lado. Quando ele voltou pro Brasil, eu estava namorando; quando eu terminei esse relacionamento, ele tava namorando... Mas toda vez que a gente se encontrava rolava uma faisquinha (que hoje pensando talvez tenha rolado muito mais pra mim do que pra ele). Vira e mexe a gente ficava, trocava mensagens mas a tal paixão louca de 2010 nunca mais se repetiu.

Em vez de de sacar que tinha sido um lance legal de 2010, eu passei anos cultivando as borboletas no estômago por ele. E a cada vez que a gente ficava de novo, eu acreditava que podia ser diferente e finalmente virar um romance engatado. Mas nunca era.

É claro que nesse meio tempo me envolvi com outras pessoas, mas parece que eu tinha um prazer em cultivar esse cara num lugar diferente, um amor especial. E na minha fantasia alimentada por anos de lavagem cerebral de filmes românticos de Hollywood, a vida me recompensaria por eu ter me mantido fiel a esse sentimento diferente e colocaria nós dois no mesmo trilho mais cedo ou mais tarde.

O medo de realizar o prejuízo e morrer um pouquinho.
Sabe aquela lógica de ação da bolsa de valores: mesmo se cair o valor dela, enquanto você deixar ela lá, não terá realizado o prejuízo e sempre existe a possibilidade do jogo virar e a ação voltar a subir? Pois é, saquei que estava usando a mesma lógica pra não encarar o fato de que meu amor de reticências talvez já estivesse com a porta fechada há tempos.

Acho que aqui rola tanto o medo de viver a frustração e a rejeição como também o medo de encarar o vazio que surge quando tiramos esse amor especiais da cabeça e do coração.

A gente não quer perder a pessoa, não quer perder a história que poderia ter sido e também não quer perder o nosso lado sonhador e coração mole que se encantou com todo esse romance. Enterrar esse amor é também morrer um pouquinho. E lidar com a morte (dos outros e da gente mesmo) dá um medo gigante.

Ritualizar é preciso
Sou partidária dos rituais e entendi que às vezes a gente vai ter que colocar o ponto final por conta própria. Viver o luto é difícil pra caramba e sempre vai ser doído. Mas é um processo de amadurecimento e transformação que pode ser vivido de uma maneira poética e simbólica.

Depois de quase 10 anos cultivando meu amor de reticências, entendi que era hora de me despedir dele. Pra colocar um ponto final nessa história resolvi escrever uma carta de despedida para ele no dia 9 de fevereiro umas 11 da noite. Meu aniversário é dia 10. Ou seja, eu usei as últimas horas do meu ano antigo pra me despedir do antigo amor. Coloquei uma música que me lembrava dele, abri um vinho e abri meu coração.

Na carta eu contei como nosso encontro lá atrás mexeu comigo, como eu tinha um carinho especial por ele e como eu sabia que muito daquilo tinha mais a ver com minhas projeções e expectativas do que com qualquer outra coisa. É importante a gente assumir pra nós mesmos quando estamos propositalmente sonhando acordados, né? Eu fechava a carta me despedindo, dizendo que tava na hora de eu deixar os espaços vazios e entender que o que rolou lá atrás não vai ser menos especial porque não teve continuidade. Ele mudou, eu também. Tá tudo certo. Foi bonito e libertador.

Entrei no meu ano novo de aniversário abraçando esse espaço vazio que tava no coração. E me propus a deixar ele vazio... Se viesse um amor novo, ótimo. Se não, tava tudo bem também.

Já que hoje é Finados te convido a ritualizar o fim de um amor também. Honre a história, honre seu sentimento, mas se permita seguir em frente. Ritualizar as mortes nos ajuda a reinventar a vida.

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