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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bar exibe letreiro com frase contra criança: não é piada é discurso de ódio

Colunista de Universa

11/08/2022 15h42

"Não odiamos crianças. É só a sua mesmo". O leiteiro com essas palavras foi exposto na fachada da hamburgueria La Borratxeria Parrilla, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo. E, segundo os donos do estabelecimento, eles estavam brincando. Até pode ser, mas isso é brincadeira ou incitação ao ódio?

O que sabemos com certeza: essa atitude não tem nada de surpreendente vindo desse restaurante. Os donos investem faz anos no marketing do "politicamente incorreto". Eles já publicaram um vídeo fazendo "piada" com violência contra mulher (uma mulher aparecia com o olho roxo depois de ter levado um "soco" do chefe) e, em 2017, compararam crianças com cachorros. Que tal?

O que leva donos de restaurantes a insistir nessa linha "ogro com orgulho"? Talvez eles façam isso porque de fato, existe muita gente que se sente representada por esse comportamento. Esse é aquele pessoal que reclama do politicamente correto, que acha que o mundo "anda chato" e como vingança, falam como se fossem heróis muito corajosos: "Não tô nem aí para essa turma da lacração".

Bem, eles podem falar o que quiserem. E nós podemos achar que isso é um absurdo. Inclusive, não deixa de ser discurso de ódio contra crianças.

"Ah, mas é só uma piada", eles dizem. Sim, mas é uma "piada" parecida com aquelas que riem de qualquer grupo minorizado. Além de serem sem graça, essas piadas pregam o ódio.

E crianças, talvez vocês se esqueçam, são seres humanos. E, mais que isso, são vulneráveis. Eles precisam que a gente que é adulto os proteja, não que saia por aí gritando que os "odeia".

Mas, coitadas, vez ou outra elas viram polêmica, quando donos de restaurantes ou bares de classe média dizem que elas "não são aceitas".

Em abril, o bar Miúda, também em São Paulo, barrou uma mãe que tinha ido comemorar o aniversário de uma amiga, em uma festa diurna, e levou o filho. Sim, ela foi BARRADA por ser mãe e cuidar do filho. Pode?

Esse tipo de coisa tem acontecido mais e mais em bares e restaurantes de classe média, classe média alta. Sim, esse é um detalhe importante. Ou você já viu algo assim acontecendo na periferia? Não, porque em geral eles não têm essas frescuras hipsters e tratam crianças como parte da sociedade. Esse devia ser o comportamento natural de qualquer um, inclusive.

Cresci em uma cidade do interior e imagine se por ali existia algum lugar que nos barrasse. De forma alguma, inclusive, todos os adultos conheciam as crianças e meio que davam umas broncas nelas ou um socorro se fosse necessário.

Não é assim que devia ser? E não, eu não tenho filhos. Mas Deus me livre de viver em um mundo sem criança. Além de excludente, esse mundo seria chatíssimo. Em geral, as crianças são bem mais divertidas que os adultos e muito menos mal humoradas do que esse pessoal que fica falando: "odeio isso", "odeio aquilo".

E, claro, não podemos esquecer das mães (e dos pais, mas as mães ainda são as principais cuidadoras, e muitas delas são mães solo). A vida já não é fácil para elas, que trabalham, pagam boletos e cuidam dos filhos ao mesmo tempo. Elas ainda vão ter que ficar escolhendo bares e restaurantes checando se seus filhos são bem vindos ou não? Isso seria inaceitável e, inclusive, contra o direito de ir e vir.

Mas, de acordo com os donos da hamburgueria, tudo isso é "mimimi".

Após a repercussão negativa do letreiro, os donos do estabelecimento publicaram uma foto no Instagram com um letreiro onde está escrito: "lacradores vão se f!". Esse termo "lacradores" tem sido muito usado por reacionários do Brasil, até mesmo pelo presidente Jair Bolsonaro. "Eles só querem lacrar", dizem sobre aqueles que defendem direitos das mulheres, dos negros, dos LGBTQIA+ e... das crianças.

Parece que quem quer lacrar são eles. E em cima de vulneráveis, ainda por cima.