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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Demitir Pedro Guimarães e pôr uma mulher no lugar é tapar sol com a peneira

Pedro Guimarães é acusado de assédio sexual - Isac Nóbrega/Presidência da República
Pedro Guimarães é acusado de assédio sexual Imagem: Isac Nóbrega/Presidência da República

Colunista de Universa

29/06/2022 13h09

As histórias são chocantes e assustam qualquer mulher. Os relatos das funcionárias que acusam Pedro Guimarães, então presidente da Caixa Econômica Federal, de assédio, revelados hoje, mostram que o clima no alto escalão da sede de uma das empresas públicas mais importantes do país era de filme de terror, ou daquelas séries documentais do Netflix que mostram como agem assediadores.

As funcionárias relataram um clima de assédio em série e normalizado como cultura da empresa. Segundo elas, o presidente escolhia as mulheres mais bonitas para participarem de viagens, onde elas eram assediadas.

O assunto trabalho estaria presente o tempo todo, o que torna as denúncias ainda mais sérias. Uma das funcionárias contou que foi chamada para discutir "sua carreira" no quarto de hotel de Guimarães. Mulheres eram apalpadas nessas viagens e recebiam convites maliciosos e às vezes diretos de Guimarães. "Você quer transar comigo?", teria dito a uma funcionária.

Elas contam também que ele deixava claro que dizer sim era "estar junto", no sentido de ser uma funcionária fiel, fazer parte do grupo. "Quero saber se você está comigo ou não", ouviu uma funcionária.

Em um jantar em uma dessas viagens, ele teria planejado uma orgia em Porto Seguro e pedido que uma secretária desse um jeito de colocar a cidade como uma das "próximas viagens". "Vou te rasgar até sangrar", ele teria dito para a funcionária.

Fato importante: esses jantares, estadias em hotel e até essa viagem planejada para Porto Seguro com o objetivo de fazer uma orgia seriam viagens de "trabalho", ou seja, seriam pagas com dinheiro público. Sim, tudo indica que pagamos com nossos impostos viagens que eram planejadas pelo presidente da caixa para assediar mulheres. É um escândalo.

Para piorar tudo, Guimarães era presidente da Caixa Econômica Federal desde o início do governo Bolsonaro, ou seja, há quase quatro anos. Além disso, há relatos de que toda a cúpula da Caixa sabia dos assédios há anos. E ninguém fez nada.

O que essas funcionárias passaram em todo esse tempo? Quanto dinheiro público foi gasto para assediar mulheres? O presidente não notava a atitude do aliado? Nunca chegou algum relato a ele ou seus assessores?

Sinais de que algo estava errado com Pedro Guimarães já haviam sido dados. Em vídeos divulgados por ele mesmo ano passado, o presidente colocou funcionários para fazer "flexões" em público. Segundo o colunista Guilherme Amado, do "Metrópolis", Guimarães seria dado a explosões e já teria dito a funcionários em uma reunião: "vou estuprar todos vocês".

Ou seja, já estava na cara que ele não tinha um comportamento "normal".

Mas Pedro Guimarães era, até semana passada, homem de confiança do presidente Jair Bolsonaro. Foi convidado por ele para eventos oficiais e participava das tradicionais "lives" do presidente.

Em um país sério, esse fato seria o suficiente não só para o presidente da Caixa ser demitido, mas também para o escândalo abrir uma crise séria no governo.

Para Bolsonaro, que anda desesperado atrás de votos femininos, a notícia caiu como uma bomba. Segundo confirmado pela colunista do UOL Carla Araújo, o presidente decidiu que vai demitir Guimarães e colocar em seu lugar uma mulher. A escolhida seria Daniella Marques, secretária especial de Produtividade e Competitividade e parceira de Paulo Guedes.

A escolha, não desfazendo de forma alguma da capacidade de Daniella, é, claro, para pegar bem com as mulheres e diminuir o dano do escândalo.

É o suficiente? Não acho. Toda a cúpula da Caixa Econômica teria que ser demitida, assim como qualquer um que tivesse "acobertado o assédio". Em um país sério, representantes do governo não só lamentariam o fato e pediriam desculpas, como se comprometeriam em apoiar as vítimas. Novas leis de proteção a mulheres no ambiente de trabalho seriam criadas.

Demitir Pedro Guimarães e colocar uma mulher no lugar é tapar o sol com a peneira. Seria preciso toda uma mudança de postura do governo em relação aos direitos das mulheres para que houvesse confiança de que isso não se repetiria ou não estaria acontecendo em outras esferas do poder. Mas isso já é pedir demais.

Não podemos, no momento, nos dar o luxo de chamar o Brasil de país sério. Mas, mesmo assim, precisamos cobrar medidas sérias e não só as eleitoreiras. Todos os fatos precisam ser apurados e o governo precisa prestar contas à população.