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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Vá embora': ataques xenófobos a Paola Carosella são injustificáveis

Colunista de Universa

25/05/2022 04h00

"Paola, volta para a Argentina". Desde ontem, essa hashtag faz sucesso no Twitter. Nela, você vai ver toda a sorte de ataques xenófobos à chef Paola Carosella. Paola nasceu na Argentina e mora no Brasil há 21 anos, onde tem visto de residência permanente e se naturalizou brasileira. Ela é sócia do restaurante Arturito.

Sei o que é ser imigrante, já que moro na Alemanha há sete anos. Por isso, ao ler mensagens do estilo "volta para a Argentina, aqui não é lugar para você", "vai embora do meu país", "esse não é o seu país" (só para citar algumas mais "lights") confesso que senti um frio na espinha. Se tem uma coisa que causa dor no coração —junto com uma sensação de sangue subindo— em qualquer imigrante é esse tipo de ataque.

Só de imaginar (por sorte isso não aconteceu comigo, ainda) ouvir na Alemanha alguém me mandar "voltar para o meu país" sinto um arrepio. Mas, claro, tenho amigos que já passaram por essa situação.

Esse tipo de ataque dói muito. E não, condenar esse tipo de frase não é "mimimi". Xenofobia é crime. E nada do que uma pessoa faça ou fale justifica que você fale para ela: "então volta para o seu país, o que você está fazendo aqui, Argentina comunista." (de novo, esse é um dos ataques "leves")

O motivo da fúria contra Paola foi uma declaração dada por ela no podcast "Diacast". Ela batia um papo sobre como conviver com eleitores de Jair Bolsonaro e disse: "Fica muito difícil de se relacionar com alguém que ainda [apoia Bolsonaro]. Por dois motivos: ou porque é um escroto ou porque é burro".

Confesso que quando li no Twitter: "Paola chama todos os eleitores de Bolsonaro de escrotos e burros" minha primeira reação foi achar que ela tinha passado totalmente do tom. Como assim, sair xingando? Até que vi a declaração em vídeo e entendi que era uma conversa e que ela não usou um tom agressivo.

Vamos imaginar o contrário, uma pessoa famosa bolsonarista, no atual momento de tensão política, poderia dizer que quem vota no Lula ou qualquer outro candidato é "escroto e burro"? Sim. É legal? Não. Mas o nível anda baixo e ontem mesmo, só para citar um exemplo, o governador de São Paulo, João Doria, que anunciou que desistiu de ser candidato à presidência, passou o dia sendo chamado de "calça apertada" por bolsonaristas nas redes sociais. O nível anda para lá de baixo.

Muitos dos críticos a Paola dizem que ela não pode opinar sobre política por não ser brasileira. Mas, epa, pera aí! Ela pode sim. Ela mora aqui. Vou além, se você mora em outro país, você, como cidadã, deve, sim, acompanhar a política local e participar dos debates e manifestações. Ali é a sua casa, queiram os xenófobos ou não.

E mesmo se não morasse. Não são essas pessoas que atacam Paola que defendem a liberdade irrestrita de expressão?

Exemplo pessoal: sou brasileira, ainda não tenho cidadania alemã (e por isso ainda não posso votar) mas participo o mais ativamente que posso da vida política da cidade onde moro, Berlim. Isso inclui, por exemplo, ir a passeatas contra a AfD, o partido de extrema-direita, que é contra imigrantes. Ou seja, você tem que participar até para defender seus próprios direitos como imigrante.

"Coincidência": a AFD (Alternative für Deutschland) um partido com ideias xenófobas, é próxima ao governo de Jair Bolsonaro. Uma de suas líderes, Beatrix von Storch, visitou a família Bolsonaro ano passado.

No caso da xenofobia, eu achava, ingenuamente, que isso não pegaria no Brasil, um país formado basicamente por descendentes de escravos e imigrantes. Mas esse mal parece estar vivo por aqui também.

Não volte para a Argentina, Paola. E continue opinando. É seu direito.