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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Maíra Cardi: até quando seremos vítimas de terroristas do emagrecimento?

A coach de emagrecimento Maíra Cardi  - Reprodução / Internet
A coach de emagrecimento Maíra Cardi Imagem: Reprodução / Internet

Colunista do UOL

28/01/2022 04h00

"Feche a boca!" "Acabe com a preguiça!" "Seque 10kg em uma semana!" Há muitos anos, essas frases de efeito, ditas como se fossem ordens, são usadas em programas de emagrecimento dos mais radicais. Até pouco tempo, elas ocupavam sem vergonha as capas de revistas. Até que, ainda bem, apareceu o movimento body positive e mulheres passaram a denunciar o quanto esse modelo é opressor, gordofóbico e péssimo para a saúde emocional e física.

Só que esse tipo de terrorismo do emagrecimento ainda está vivo. E forte. No Brasil, o exemplo mais famoso dele no momento é Maíra Cardi, a coach de emagrecimento do programa "seca rápido" (o nome já diz tudo). Maíra é notícia nos últimos dias porque tem feito vídeos "chocada" com o que seu marido, Arthur Aguiar, que está no "BBB", come no programa.

"Não acredito, você comeu pão!"

"Você não podia ter comido pão! Destruiu todo o trabalho que eu fiz com o seu corpo".

"Ele está comendo o quê? Purê de batata. Pão e batata!"

Em outro post, ela fala, com cara de pavor: "Olha lá ele, está comendo o quê? Purê de batata!"

Segundo ela, era brincadeira. Mas faz diferença?

É assustador que uma pessoa fale de comida com cara de nojo (mesmo que seja brincadeira) em um país que acaba de voltar para o mapa da fome. Cerca de 20 milhões de brasileiros passam fome e mais de 110 milhões vivem em situação de insegurança alimentar. É triste, mas a gente tem que lembrar dessa realidade: muitos não têm o pão que Maíra despreza.

Nas redes, sua atitude tem causado memes e indignação. Seu método foi chamado por Daniel Cady, nutricionista e marido de Ivete Sangalo, de "terrorismo nutricional".

Detalhe: Maíra não é médica nem nutricionista, mas fala como convicção coisas que os profissionais formados condenam.

É só dar uma olhada em seu conteúdo disponível nas redes sociais. Em seu canal no Youtube e na conta Instagram, usados para vender seus cursos e seu programa de emagrecimento, há uma profusão de antes e depois, com o corpo mais magro sendo visto como o ideal.

Mulheres mais gordas também são vítimas de piadas. Há esquetes onde uma cliente "acima do peso" tenta entrar em uma calça jeans. E, no fim, depois de perder mais de 20kg graças ao programa de Maíra, "não quer mais sair da beira da piscina, onde usa biquíni".

Ora, nos dedicamos todos os dias a falar que mulheres não precisam estar com um corpo "x" para usar biquíni e aproveitar a praia.

Esses padrões oprimem mulheres há anos e matam, já que muitas desenvolvem distúrbios alimentares.

Especialistas sérios sempre avisaram que não se deve tratar a comida como algo ruim e que chamar alimentos de "porcaria" e "lixo" é danoso. Além da falta de respeito com quem não tem comida, repito.

Mas Maíra vai na direção oposta. O açúcar para ela é tratado como um terrível vilão, assim como a farinha. Há uma seção em seu Instagram chamada "gordices", de receitas. Em seus vídeos no Youtube ela fala coisas como "precisamos emagrecer a mente" e "não podemos ser escravos do chocolate", além de dicas para ser magra para sempre.

Ano passado, Maíra chegou a pregar nas redes sociais os benefícios do jejum (prática adotada por anoréxicas) e disse que ficou sete dias sem comer. Na ocasião, chegou a afirmar que o jejum poderia prevenir o câncer (o que não tem base científica).

Todos os anos o "BBB" coloca luz sobre comportamentos tóxicos. Neste ano, o maior deles, por enquanto, está fora de casa.

Tomara que essa exposição da coach não sirva para mais pessoas seguirem dicas de emagrecimento tóxico, mas que o perigo desse tipo de programa (e a gordofobia presente neles) seja discutido a sério. Mulheres não podem mais ser vítimas desse tipo de terrorismo.