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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Acontece no Brasil: políticos chamam estupro e assédio de "gentileza"

A deputada estadual Isa Penna (PSOL) acusa o colega Fernando Cury (Cidadania) de assédio  - Divulgação
A deputada estadual Isa Penna (PSOL) acusa o colega Fernando Cury (Cidadania) de assédio Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

26/02/2021 04h00

Em dezembro do ano passado, o deputado estadual Fernando Cury (Cidadania) protagonizou um vídeo que mostra uma cena chocante. Durante uma sessão da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, ele surge abraçando a deputada Isa Penna (PSOL) por trás e apalpa seus seios.

A cena foi gravada pelo sistema de TV que transmite as sessões da Casa, ou seja, ele foi "flagrado". Desde então, o deputado está sendo julgado pelo Conselho de Ética da Assembleia de São Paulo por importunação sexual e quebra de decoro parlamentar.

Nesta semana, Cury prestou depoimento e se defendeu de forma quase tão chocante quanto o seu ato. Segundo ele, o "abraço", que pode ser visto claramente nas imagens, teria sido, veja só, um sinal de "gentileza".

O parlamentar disse também que costuma abraçar e beijar pessoas, o que muitas vezes causa constrangimentos. Resumindo, sua defesa foi falar que esse era o seu jeitão. E que, coitado, muitas vezes ele, tão carinhoso, acaba sendo mal interpretado.

Bem, o deputado é um homem adulto, ele não está no prezinho, onde os meninos ainda não sabem que não podem levantar a saia da colega. Mas ele alega que ainda não sabe se portar.

"Ainda que tenha sido um abraço e tenha ofendido a deputada Isa Penna e que esse seja meu jeito, o episódio me traz muito aprendizado: que esse meu jeito não é tolerado por grande parte das pessoas", afirmou Cury.

Bem, deputado, tocar os corpos das mulheres sem permissão não é um "jeitinho" da pessoa ser. E, claro, também não é gentileza e jamais será.

Mas existe uma teoria, que ainda paira na mente de muitos homens: a de que assédio seria algo bom, algo que as mulheres, no fundo, gostam. E que mulheres que denunciam esse crime ainda seriam, além de vítimas, pessoas sem humor, que não entendem "o jeito dos homens".

Curioso, mas outro exemplo famoso de como violência sexual ainda é tratada por certos homens como um favor também teve como protagonista outro parlamentar.

Em 2014, o então deputado federal Jair Bolsonaro discutia com a colega Maria do Rosário quando soltou: "Eu não te estupraria porque você não merece. Você não merece ser estuprada!".

Bem, estupro não é merecimento ou favor, mas um crime horrendo, assim como apalpar uma mulher não é uma gentileza.

É desesperador que cenas assim aconteçam em parlamentos brasileiros. Afinal, são nesses locais que são decididas as leis que deveriam proteger mulheres de coisas como o assédio no trabalho. Esse é um problema seríssimo, que atinge não só deputadas, mas cerca de 47% das mulheres brasileiras.

Difícil achar que essa realidade vai mudar no país quando até deputados eleitos e pagos com nossos impostos parecem ainda não ter entendido o básico que ensinamos para os meninos quando ainda são crianças.