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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Documentário mostra como machismo fez Britney ser considerada incapaz

Britney Spears em retrato exibido durante o documentário "Framing Britney Spears" - Reprodução
Britney Spears em retrato exibido durante o documentário "Framing Britney Spears" Imagem: Reprodução

Colunista de Universa

11/02/2021 04h00

Todo mundo lembra da cena: careca, com cara de fúria, a cantora Britney Spears ataca um paparazzo com uma sombrinha. O surto foi parte de uma crise vivida pela cantora em 2007.

Nessa época, ela foi filmada raspando o próprio cabelo e também saindo de sua casa em uma ambulância. Tudo foi documentado pelos paparazzi que a perseguiam e divulgado em capas de revista e sites, que falavam sobre uma mulher louca, fora de controle.

A crise de 2007 deixou marcas. Desde 2008, a cantora tem toda sua vida, carreira e finanças controlada pelo pai, Jamie Spears, que tem a sua "guarda", como se ela fosse incapaz de tomar decisões. Fãs da cantora acreditam que ela é mantida em uma gaiola de ouro pelo pai, sem a mínima autonomia e criaram o movimento "Free Britney". Essas e outras histórias são mostradas no documentário "Framing Britney Spears", lançado essa semana pelo New York Times em parceria com a Fox americana.

O filme tem causado choque no mundo todo. E com motivo.

É chocante perceber como um circo midiático foi montado em cima da crise de Britney. Se hoje sabemos que chamar uma mulher de louca é um ataque machista básico e que saúde mental é assunto sério, 14 anos atrás a imprensa atacava a cantora sem pudor a chamando de louca, surtada, descontrolada.

O filme mostra uma mulher acuada, que mal conseguia se mover, sempre cercada por uma multidão de fotógrafos. Em uma das cenas, uma entrevistadora de um talk show pergunta se ficar livre dos paparazzi era o maior sonho da cantora. Ela começa a chorar e diz, "sim, sim", soluçando.

"Nunca vi um artista homem sofrer o tipo de ataque que ela sofria", diz um executivo de gravadora no filme.

Os ataques começaram antes, bem antes do tal surto de 2007. O filme mostra comentários que eram feitos sobre Britney quando ela estourou, no início dos anos 2000. Na ocasião, uma senadora chegou a dizer que daria um tiro na cantora, "porque como mãe, achava Britney uma ameaça". Em programas matutinos, suas roupas eram discutidas com reprovação, "muito sexy, muito vulgar". O que ela tinha feito para receber esse tratamento? Nada. Ela apenas era mulher, jovem, bonita e famosa.

Britney é recordista em ataques misóginos. Um pouco antes de 2007, ela teve também a sua maternidade criticada. Virou exemplo de péssima mãe no mundo inteiro. Quem aguentaria tudo isso sem surtar? Difícil.

Free Britney

A perseguição dos paparazzi e a cobertura dos tabloides "contra" Britney faz lembrar outra cantora : Amy Winehouse. As duas foram perseguidas e suas crises renderam muito dinheiro para paparazzi e jornais. Amy morreu de overdose em 2011.

Britney sobreviveu mas, desde 2008, seu pai tem sua guarda, um precedente que, segundo advogados explicam no filme, só é aplicado no caso de pessoas que são totalmente incapazes de cuidar de suas vidas. Acontece, por exemplo, que filhos tenham a custódia de pais muito idosos e que sofrem, por exemplo, de Alzheimer. Um dos advogados comenta que isso jamais aconteceria com um pop star homem. Verdade: quantos caras já não vimos por aí tendo crises, entrando e saindo de rehab? Algum passou a ter custódia do pai?

E, claro, a crise aconteceu há quase 14 anos. E, desde então, Britney, aos 39 anos, continua com sua carreira e parece estar recuperada.

O filme tem servido de munição para os fãs que lançaram o movimento "Free Britney" e que vêm, por exemplo, em suas postagens no Instagram, pedidos de socorro.

A "prisão" pode estar perto do fim. Ano passado, a cantora manifestou publicamente pela primeira vez que não queria mais o pai como tutor. Hoje, 11 de fevereiro, Jamie Spears é esperado em audiência que discute a guarda da cantora. Pode ser o início da liberdade de Britney.

Mas o filme vai além do caso da cantora. A história serve de alerta para a maneira como as mulheres são tratadas na indústria do entretenimento e como ainda vivemos em uma sociedade que, literalmente, trata mulheres como "incapazes".