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REPORTAGEM

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'Corno, brocha': dominadores financeiros são pagos para humilhar parceiros

"Me reconheci dominadora quando me tornei uma mulher segura, disciplinada e consciente do meu corpo e sexualidade", diz Juliana Villegas, 26 anos - Reprodução/Twitter
'Me reconheci dominadora quando me tornei uma mulher segura, disciplinada e consciente do meu corpo e sexualidade', diz Juliana Villegas, 26 anos Imagem: Reprodução/Twitter

Colunista de Universa

08/09/2021 04h00

Há pouco mais de um ano, o publicitário Henri Galdino, 30, de São Paulo, recebeu uma proposta inusitada pelo Twitter: de Berlim, escrevendo em inglês, um homem ofereceu 200 euros (em torno de R$ 1.200,00) para que Henri praticasse humilhações à distância.

"Foi uma surpresa. Aconteceu na minha conta pessoal no microblog, apenas para amigos. Eu já tinha ouvido falar sobre dominação sexual e sadomasoquismo, mas nunca dessa forma, envolvendo dinheiro de uma pessoa desconhecida, em outro país. Falo inglês, então fui dando corda à conversa, de forma cada vez mais agressiva, com xingamentos e ofensas, e ele gostava. Assim, recebi meu pagamento, o 'tributo'. A partir daí pesquisei sobre e descobri que já existiam grupos de findom no Twitter há tempos. Criei meu perfil como dominador, conversei com outros dominadores, e comecei a criar o meu próprio conteúdo", relata.

Findom é a abreviação de financial domination (dominação financeira), um fetiche associado ao BDSM e à humilhação erótica.
"A prática é mais comum virtualmente, mas em alguns casos pode acontecer de maneira presencial", explica Henri, que tem quase 7 mil seguidores no Twitter, onde é @hgaldino44.

Henri - Acervo pessoal - Acervo pessoal
'O dominador de verdade jamais vai atrás do submisso pedir algo. Se o homem é de fato dominador, o 'sub' se sente atraído naturalmente. Simplesmente acontece", pontua Henri Galdino, 30
Imagem: Acervo pessoal

Dominação virtual, privada e até pública

"A dominação financeira tem algumas vertentes. Existem aqueles que gostam de satisfazer o dominador por pura admiração, sem envolver a parte da humilhação em si — eles gostam de agradar em forma de presentes ou dinheiro, para o dominador gastar como quiser. Há os que pagam por uma sessão real de humilhação, envolvendo ou não o ato sexual. E tem também aqueles que mantêm relações amorosas reais com o seu dominador", diz.

Henri conta que o que mais atrai seus submissos é a admiração por seu físico, postura e personalidade: "Geralmente é o homem mais frágil, mais recluso, que vê no homem mais confiante e másculo uma figura superior a ele e tem prazer em agradá-lo". Ele revela também que alguns submissos servem seus dominadores em público.

"Tem submisso servindo macho em público neste momento, ao nosso redor, mas a gente não percebe. Há aqueles que saem junto para comprar algum agrado, carregar uma mochila; que acompanham na academia pra segurar toalha ou buscar uma água; os que servem de apoio em casa; os que servem sexualmente com fetiches mais pesados, e por aí em diante. Depende do que é estabelecido em cada de cada relação entre o submisso e o dominador."

De cam girl à dominadora

De Belo Horizonte, Juliana Villegas, 26, conta que começou a trabalhar com entretenimento adulto há cinco anos, por curiosidade. Depois de fazer mais de dois mil atendimentos online, ela descobriu novas possibilidades.

"Comecei como cam girl e conheci o universo fetichista, pelo qual me interessei bastante. Este ano encerrei minhas atividades online e agora só trabalho com venda de conteúdos fetichistas por encomenda. Além disso, dou mentoria para quem deseja iniciar como cam girl e produzir conteúdo. O fetiche de dominação financeira é um dos que eu mais realizo. Os 'money slaves' (escravos financeiros, em tradução livre) nos enviam tributos ou reembolsos de gastos diários e nós recompensamos com áudios ou vídeos de humilhação."

A dominadora explica que os money slaves são motivados, principalmente, pela adrenalina de entregar seu poder financeiro a outra pessoa — o que pode incluir acesso à conta bancária e autorização para transações.

"O prazer é ser humilhado"

"Na maioria das vezes, os homens adeptos desse fetiche ocupam cargos importantes, estão no topo da hierarquia social, carregam muita responsabilidade. O prazer é ser humilhado, e eu sempre enfatizo que mesmo com todo esse dinheiro eles não são dignos de chegar perto de mim. Eles adoram ser chamados de 'pobre', 'inútil', 'brocha', 'corno'. A maioria dos clientes que tem esse fetiche sofre de ressaca moral depois de uma 'sessão'. Muitos desaparecem, deletam a conta, mas pouco tempo depois voltam," revela. No Twitter, ela é @Juliana520k e tem mais de 150 mil admiradores.