Topo

Mayumi Sato

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Trisais lutam pelo direito ao casamento reconhecido por lei

Priscila, Regiane (sentada no balanço) e Marcel no "Chá Revelação" de Pierre - Arquivo pessoal
Priscila, Regiane (sentada no balanço) e Marcel no 'Chá Revelação' de Pierre Imagem: Arquivo pessoal

Mayumi de Andrade e Silva Sato

Colunista de Universa

15/05/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O casamento legal entre pessoas do mesmo sexo passou a ser permitido no Brasil há cerca de uma década e mesmo com esse pequeno avanço na legislação, existem relações que ainda não são oficialmente contempladas e acabam enfrentando barreiras e a lentidão da justiça para legitimar a união.

Um ótimo exemplo são os relacionamentos poliafetivos que também englobam os trisais. Para entender melhor a visão da justiça brasileira sobre o poliamor, conversei com a socióloga e advogada pós-graduada em Ciências Jurídicas e mestre em Instituições Sociais, Direito e Democracia Lívia Poggiali, autora do livro "União Poliafetiva: essa família também existe - um hard case para o Direito Brasileiro".

UNIVERSA - Hoje, o que legalmente impede uma união estável ou casamento poliafetivo?
LÍVIA - O primeiro problema enfrentado é que a relação poliafetiva, seja num formato de união estável, seja de casamento, não possui previsão legal. Paralelamente à ausência de regulamentação, há quem alegue que as relações conjugais e convivenciais no Brasil são norteadas pelo princípio da monogamia. No caso do casamento isso toma contornos mais acentuados com o crime de bigamia --que veda que pessoa casada contraia novo casamento.

E para dificultar ainda mais esse cenário, diante de tentativas de reconhecimento de uniões estáveis em escrituras públicas registradas em cartório, houve decisão administrativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2018, proibindo a lavratura de documentos declaratórios sob alegação de não haver respaldo legal.

Em quais pontos acredita que a justiça precisa evoluir para permitir uniões com essa configuração?
Tudo indica que o verdadeiro obstáculo é de cunho moral [...] . É preciso analisar o tema à luz do ordenamento, em especial da Constituição Federal que prega a igualdade, autonomia, não discriminação e, principalmente, adota uma concepção plural de família.

Lívia destaca que as uniões homoafetivas, que tempos atrás não eram permitidas pelo mesmo argumento, já são amplamente reconhecidas.

E como fica o outro lado dessa moeda?

Conversei com o Trisal ao Cubo, juntos há quase quatro anos e com mais de 44 mil seguidores nas redes sociais. Marcel Mira, Priscila Machado e Regiane Gabarra compartilham no Instagram um pouco da rotina com os quatro filhos.

A história dos três, que daria um bom enredo de filme, teve início quando Priscila, até então casada com Marcel, começou a trabalhar na mesma empresa que Regiane. Elas se aproximaram e começou a surgir uma paixão. Após um convite para um ménage, os três não se largaram mais.

Sobre o processo de "assumir a relação'', o trisal comentou:

"Quando descobrimos que não conseguiríamos ficar separados, decidimos morar juntos em outra cidade, e, como isso despertaria curiosidade, começamos a contar para algumas pessoas", dizem, acrescentando que parte dos familiares não aceitou.

E antes, já haviam participado de um trisal? Eles garantem que não.

"Nem sabíamos que existia esse termo, quanto mais um tipo de relação assim. Para se ter ideia, Regiane e Priscila nunca tinham se envolvido com mulheres antes, elas foram as primeiras uma da outra", diz Marcel.

Eles falaram também sobre o que ainda falta para o amadurecimento da legislação.

"Hoje, apesar de ser um assunto que está cada dia mais em pauta, tanto na imprensa quanto nas faculdades, de direito e até de psicologia, ainda temos um longo caminho a percorrer, pois para haver mudança temos de ter um olhar menos conservador entre aqueles que têm o poder de fazer esta mudança."

Mesmo com todos os impedimentos da justiça, os três reforçam a importância de uma união estável/ casamento que contemple a relação. Para eles, o reconhecimento resguarda os direitos previdenciários, hereditários e civis.

Trisais e adeptos do relacionamento poliafetivo podem formalizar contrato

Segundo Lívia Poggiali, mesmo com a decisão do Conselho Nacional de Justiça que impede os cartórios de registrarem relações com mais de dois membros, ainda é possível formalizar um contrato de convivência, assim como ocorre para a união estável, em que é indicada a existência da relação, regras de convivência, divisão de bens e outras questões que sejam consideradas importantes.

Agora, só resta torcer para que a justiça faça valer o direito de igualdade a todos.

Mayumi Sato