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Mayumi Sato

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Sou ciumenta e vivo um casamento aberto: veja dicas de como lidar

jacoblund/Getty Images/iStockphoto
Imagem: jacoblund/Getty Images/iStockphoto

Colunista de Universa

17/04/2022 04h00

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Essa semana colaborei com uma matéria aqui em Universa contando sobre a minha relação com a não monogamia e como eu e meu parceiro lidamos com essa questão no dia a dia. Estamos juntos há 11 anos e, ao longo desse tempo, muita coisa já mudou entre nós. Acho que uma das belezas de uma relação não mono é justamente o fato dela permitir que a gente mude, evolua, se reconheça e se "re-apaixone" ao longo do tempo. Vem funcionando para nós dois.

Fiquei bastante impressionada com a repercussão da matéria. Ganhei mais de mil seguidores - entre eles a Sabrina Sato! - e recebi muuuitas mensagens com dúvidas sobre esse tipo de relacionamento. Um dos pontos que mais chama atenção e causa dúvida nas pessoas é a questão do ciúme. xxxx

Eu já fui alguém que dizia por aí que não sentia ciúme algum, que era desapegada e que o sentimento de posse sobre outra pessoa não fazia sentido na minha vida.

O que de certa forma, era verdade, mas só de certa forma; apesar de, na teoria, eu realmente acreditar que a posse e o controle do que o outro faz, pensa ou deseja numa relação, não faça sentido, isso nunca foi o suficiente para eliminar o ciúme do meu peito e da minha cabeça.

Ao longo do tempo, percebi que assumir isso era melhor do que viver em negação. E uma vez que eu consegui encarar esse sentimento de frente e assumir que ele de alguma forma faz parte de mim, aprendi a lidar melhor e as coisas se tornaram um pouco mais fáceis.

Para mim, na prática o ciúme está muito relacionado com autoestima. Ou seja, quando as coisas vão bem na minha vida, quando o trabalho está fluindo e eu estou me sentindo produtiva, ele adormece e dificilmente me incomoda. Mas, quando algo vai mal, meus planos não dão certo, eu me olho no espelho e não gosto do que vejo, é aí que ele bota as garrinhas para fora.

Não é algo fácil de mapear e, em geral, é preciso olhar em retrospecto para entender o que aconteceu para então lidar melhor com o que está por vir. Aos trancos e barrancos, sinto que tenho lidado melhor com isso e tenho a sorte de contar com um companheiro muito parceiro e compreensivo nesse sentido.

Conversei sobre o tema com o Fernando Calderan, psiquiatra e terapeuta de casais, já acostumado a lidar com dúvidas dos relacionamentos, sejam monogâmicos ou não. "Historicamente o ciúme é reconhecido como uma demonstração de amor e afeto, se tem ciúmes é sinal que ama, mas dá pra fazer isso de outras formas. Dizer que ama, cuidar do outro, ter boas atitudes, são formas mais saudáveis e positivas, que não envolvem posse, agressividade e desgastes com brigas e discussões."

O psiquiatra explica que, para alguns casais, o ciúme faz parte de uma dinâmica necessária para que o relacionamento exista: Ele pode não ser nocivo se não atrapalhar a dinâmica do casal e houver uma sensação de ganho com isso, como por exemplo nos casos em que o ciúme cria uma excitação, que depois gera briga e acaba em sexo. Existem melhores maneiras de chegar a esse resultado, mas para alguns casais é o jeito que eles encontraram para funcionar."

Além disso, ele reforça a necessidade de se trabalhar a autoestima para lidar com a questão. Exatamente como disse que acontece comigo. "É a insegurança do ciúme que alimenta esse sentimento obsessivo, a sensação de perda e incapacidade. Adquirir essa consciência é importante para perceber que, nesse sentido, a mudança tem que partir de si", afirma. A maior dificuldade, quando se trata de um casal, é entender como essa dinâmica se dá na relação, como ela se retroalimenta. Aí, não é um trabalho individual, mas conjunto. Para casos assim, a terapia de casal é bem recomendada.

Para entender como outras pessoas em relações não monogâmicas lidam com o ciúme, conversei também com o L.F., que é analista de TI, tem 38 anos e vive uma relação não mono há quase 3. Ele me contou que no passado era bastante ciumento, mas hoje lida de uma forma diferente com essa questão. Veja o depoimento dele a seguir:

"Estar em uma relação não monogâmica ajuda mudar a ideia de que ciúmes é um sentimento bom"

"Eu já tive algumas relações monogâmicas em que o ciúme existia. Minhas primeiras relações eram recheadas disso, afinal, eu acreditava que 'você tinha que sentir ciúmes para provar que você estava amando a pessoa'. Que o ciúme era uma forma de proteger o relacionamento.

Tive um relacionamento em especial em que o ciúme bateu tão forte que me fazia até esperar de surpresa a pessoa depois do trabalho para ver se ela estava com alguém. Ela era uma pessoa bem ciumenta e eu fui no embalo, fiquei igual ou pior. Não foi um relacionamento muito bom nesse sentido, foi bem imaturo e não durou muito tempo.

Após um tempo, eu consegui melhorar bastante nesse aspecto, mesmo em relacionamento monogâmico.

Hoje acredito que estar em uma relação não monogâmica é um trabalho grande de mudar a ideia de que ciúmes é um sentimento bom, de "proteção". O sentimento de ciúmes nunca foi muito presente na minha vida, eu sempre acreditei que se a pessoa estava comigo, então eu não precisava ficar preocupado com outras pessoas.

Eu acredito que o ciúmes tem a ver com desconfiança. E não consigo enxergar uma pessoa ciumenta sendo não monogâmica (ou pelo menos tendo um relacionamento NM comigo) pois ela precisa primeiro entender que não dá pra se viver bem tendo essa preocupação persistente no dia a dia." L.F., analista de TI, tem 38 anos e vive uma relação não mono há quase 3

Também conversei com a criadora de conteúdo Tuy, que tem 29 anos, é influencer e vive uma relação de poliamor com 2 homens. Com Biel, seu marido, ela vive há 10 anos e com Gui a relação existe há quase 1 ano:

"De 0-10, hoje em dia meu ciúme fica em torno de 1 ou 2"

tuy e biel - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
tuy e biel
Imagem: Arquivo Pessoal

"Dentro da relação eu não tenho ciúmes, mas de pessoas de fora eu tenho muito mais do nosso namorado por ser uma relação nova. Conforme o tempo passa e eu conheço mais a pessoa, pego mais confiança e meu ciúme diminui. Basicamente eu lido com esse sentimento sempre da mesma forma, é algo que eu não gosto de sentir e faço o possível para meus pensamentos me levarem para um lugar confortável de 'ele está comigo e gosta de mim', isso não significa que não vá sentir atração por outras pessoas e fui eu quem ele escolheu para ter em sua vida.

Eu já fui ciumenta em relações monogâmicas, mas elas não duravam muito mais do que 2 meses porque eu acabava me sentindo presa por não poder nem mesmo me expressar direito, já que nas relações tradicionais você não pode nem achar outra pessoa bonita e falar sobre isso.

Eu era mais ciumenta porque não conhecia outras formas de relação, mas desde o meu primeiro ménage (que eu chorei, inclusive), decidi que enfrentaria a mim mesma para desconstruir isso... E lá se vão 10 anos desde então.

E, bem, minha relação atual é vista como monogamia por muitos ativistas de poliamor, já que temos o acordo de exclusividade entre nós 3 - não consigo enxergar dessa forma, já que não somos apenas um casal, e sim um trisal. Mas percebi que fechar a relação me trouxe um pouco mais de ciúmes, que eu estou aprendendo a lidar por ser algo novo, sempre conversando com os dois para desconstruir coisas que às vezes o mundo coloca na nossa cabeça." Tuy, que tem 29 anos, é influencer e vive uma relação de poliamor com 2 homens. Com Biel, seu marido, ela vive há 10 anos e com Gui a relação existe há quase 1 ano

Dica

Para essa semana, que tal parar alguns minutos para pensar no ciúme? Ele é algo natural, mas acaba se tornando um "vício" quando muito alimentado. Separei um filme que você poderá assistir para entender mais sobre outras formas de relacionamento: "Newness", disponível na Netflix, conta a história de um casal que decide abrir o relacionamento e testar novas experiências.

Mayumi Sato