Topo

Mayumi Sato

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Topless na praia e roupa colada: por que o corpo da mulher incomoda tanto?

Eu e Marquesa Amapola no Festival Burlesco do Rio de Janeiro, em 2019 - Instagram
Eu e Marquesa Amapola no Festival Burlesco do Rio de Janeiro, em 2019 Imagem: Instagram

Colunista de Universa

13/02/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Em menos de uma semana, duas notícias distintas - porém muito conectadas - chamaram a atenção nas redes sociais e tomaram conta dos noticiários. Na primeira, duas mulheres de topless em uma praia no Espírito Santo foram algemadas e levadas à delegacia após, supostamente, terem sido denunciadas à polícia por atentado violento ao pudor. Além do constrangimento público, na delegacia, foram algemadas uma à outra pelos pés, e liberadas horas depois sem acusações.

No segundo caso noticiado, dessa vez na Bolívia, uma mulher foi filmada, exposta e julgada por pais de alunos ao levar o filho para a escola vestida com um macaquinho de academia. As publicações que pediam inclusive a expulsão da criança, apontavam os trajes da mãe como inadequados à situação.

O que as duas situações têm em comum: o incômodo gerado pelo corpo de uma mulher.

Não é de hoje que esse assunto me aflige e talvez te incomode também. Porque se por um lado há uma hipersexualização do corpo feminino na publicidade, redes sociais, e na mídia de forma geral, é esse mesmo corpo que na vida real incomoda.

Naomi Wolf no livro "O Mito da Beleza" comenta como uma linguagem que antes era exclusiva da pornografia com poses sensuais feitas para excitar, acabou incorporada ao nosso dia a dia através de filmes, ensaios fotográficos e materiais publicitários. O que causa isso? Um fato: sexo vende

Deixando outros pontos de lado, o meu incômodo não é com a nudez, mas sim com o moralismo seletivo das pessoas que se acham no direito de julgar e constranger alguém. É visível que a coisa muda de figura quando saímos do 'erótico liberado para consumo' para a nornalização dos corpos.

O topless não é invenção recente, na história da humanidade, mulheres de Creta na Grécia Antiga - há pelo menos dois milênios, criaram trajes com mangas e saias que deixavam os seios à mostra. No Brasil, houve uma tentativa de popularização da prática nos anos 80, mas como bons moralistas que somos, as reações foram as mais negativas, e em muitos casos violentas.

Conversei essa semana com Alice e Tereza, ambas naturais do Rio de Janeiro, mas que já viveram na Europa e lá eram adeptas do topless. De volta ao Brasil e às praias, o sentimento foi de ter perdido uma liberdade que lá elas não davam conta que era tão preciosa:

Alice: "Para mim a questão é menos o topless e mais como os nossos corpos são vistos na praia. Eu levo algum tempo pra me sentir à vontade na praia, para desencanar dos olhares que parecem nos seguir boa parte do tempo. Eu me sentiria melhor se, ainda que eu não pudesse colocar os seios para fora, o meu corpo fosse visto com mais naturalidade.", contou.

Tereza: "Eu tenho 54 anos e percebo como há um outro tipo de julgamento sobre o meu corpo agora. As mulheres da minha idade me perguntam porque eu não uso maiô, como consigo usar biquínis pequenos, mas são os mesmos modelos de biquínis que eu usava anos atrás e ninguém falava nada. Acho que por parte das mulheres há uma cobrança também de adequação à idade que é muito moralista."

Nas duas reportagens que eu comentei no início do texto, o que me chamou a atenção é que no primeiro caso lá no Espírito Santo, testemunhas disseram que as mulheres abordadas foram defendidas pelos banhistas, principalmente pelas outras mulheres. Já no ocorrido na Bolívia, o constrangimento partiu de mulheres, sobretudo mães que chegaram ao ponto de pedir a expulsão da criança da escola. Pode existir um conflito geracional, ou até mesmo cultural, mas tento me manter otimista ao pensar que, quem sabe, as novas gerações consigam lidar melhor com a nossa existência, nossos corpos, e entender que nem sempre é sobre sexo ou sedução, e que nos seja permitido existir com mais tranquilidade.

E para quem se interessa pelo tema, recomendo o documentário "Rio de Topless", dirigido por Ana Paula Nogueira e disponível no Globo Play e Now Online. Nele, Ana Paula conta suas experiências com topless na Europa e fala sobre o caminho percorrido em praias brasileiras por mulheres que defendiam a prática por aqui.

E você, o que acha do topless? Um corpo feminino te incomoda? Conta nos comentários!

Mayumi Sato