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Mayumi Sato

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Artista processa o Instagram, ganha e cria o movimento #chegadecensura

Artista processa o instagram, ganha e cria o movimento #chegadecensura_4 - Pam Facco
Artista processa o instagram, ganha e cria o movimento #chegadecensura_4 Imagem: Pam Facco

Mayumi de Andrade e Silva Sato

Colunista de Universa

13/06/2021 04h00

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Em 2016 a fotógrafa e artista Pam Facco iniciou um projeto chamado Poesia com Elos, onde fotografava mulheres nuas, em grupo. Durante dois anos ela usou sua conta pessoal no Instagram para divulgá-lo e nunca teve problema de censura na plataforma. Nesse período, comenta que os corpos ali retratados eram, em sua grande maioria, corpos "dentro de um padrão estético", ou seja, mulheres magras e brancas, pois eram suas amigas mais próximas que eram convidadas e topavam participar do projeto.

No início de 2018, Pam resolveu fazer um ensaio diferente do que vinha publicando até então, com dois homens. No dia seguinte, sua conta foi punida e deixou de aparecer no buscador do Instagram, perdendo todo seu alcance e engajamento. Ela acredita que isso tenha acontecido por causa de denúncias.

Depois disso, ela resolveu abrir uma conta exclusiva para o Poesia com Elos e o crescimento durante os três primeiros meses foi rápido. Mesmo sem anúncios ou parcerias, somou 6.000 seguidores e passou a publicar ensaios semanalmente, a maioria deles retratando grupos que iam ficando, aos poucos, mais diversos. Num desses ensaios reuniu 14 pessoas e colocou, como protagonistas, dois homens gays. No dia seguinte, em junho de 2018, a nova conta também foi bloqueada. Ela entendeu que, além do tabu diante da nudez, a homofobia foi também um dos motivos de surgirem denúncias.

Produtores de conteúdo que abordam a sexualidade alegam dificuldade em entender o que pode e o que não pode fazer na plataforma, já que há inúmeras contas grandes, com conteúdo explícito (vide, por exemplo, a conta do canal de pornografia Pornhub), que seguem com milhões de seguidores, sem receber punição.

A atriz Mel Fire perdeu, pela sexta vez, sua conta no Instagram. Dessa vez, nem a conta verificada adiantou. Do dia para a noite, ela deixou de ter acesso à conta que somava mais de 163 mil seguidores. Além de não saber quais foram exatamente as publicações que motivaram essa perda, apesar de ter acionado a plataforma, ainda não teve uma resposta definitiva sobre a possibilidade de recuperação.

Mel faz parte de um segmento que tem o conteúdo punido com frequência, o do fetiche. O bar Dominatrix Augusta e a dominadora Mistress Charlotte já perderam as contas de quantas vezes tiveram que começar do zero. Recentemente recuperada do ocorrido, depois de passar meses banida, hoje ela tem mais de 32 mil seguidores.

Nas diretrizes compartilhadas pelo Instagram sobre nudez disponíveis em inglês, o tema fetiche é proibido quando envolve atos que podem sugerir ou levar à morte, desmembramento, canibalismo ou escatologia. Nas contas recuperadas é possível conferir que nenhum desses temas é abordado pelos produtores, que de uma forma geral falam sobre o interesse por pés, BDSM, divulgam festas e eventos.

Também conversei com o sexólogo Mahmoud, que acaba de recuperar a sua conta com mais de 4 milhões de seguidores. Ele compartilhou a imagem que recebeu denúncias relacionadas a prostituição e que o deixaram, durante mais de uma semana, sem acesso ao Instagram.

Mahmoud - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Mahmoud
Imagem: Reprodução/Instagram

Para quem não usa as redes sociais como ferramenta de trabalho, a discussão pode não fazer tanto sentido, mas a maior parte do conteúdo que todos nós consumimos ali é fruto de muito trabalho, planejamento e investimento (de tempo e dinheiro). Muitos desses artistas dependem das redes para divulgar os seus empreendimentos, cursos, realizar parcerias.

A fotógrafa Pam Facco, em 2018, decidiu ir à Justiça: "O artista no Brasil já é tão pouco valorizado, pensei que se eu desistisse, se aceitasse esse lugar de fora da lei, ficaria difícil exigir o respeito que a gente merece. Se eu não impor respeito, não valorizar o meu trabalho, quem vai?"

Ela foi a primeira brasileira a processar o Instagram e, em nove meses, ganhou em primeira instância. O Instagram recorreu e, passados dois anos —em abril desse ano, ganhou novamente em segunda instância. Agora, a causa é ganha e a plataforma também precisa proteger a sua conta de futuras denúncias e banimentos, com o risco de multa caso volte a acontecer.

O que diz o Instagram

O Instagram, por meio de uma porta-voz, declarou: "Queremos que o Instagram seja um lugar onde as pessoas possam se expressar, mas também temos a responsabilidade de mantê-las seguras. Buscamos escrever políticas que equilibrem adequadamente a liberdade de expressão e a segurança".

Sexualidade, sabemos, ainda é um tema tabu. Ainda bem que temos pessoas produzindo conteúdo sobre isso, trazendo à tona discussões que permitem —inclusive às plataformas— evoluir no que diz respeito à censura, às suas diretrizes e ao respeito em torno de algo que nos é tão natural.

Mas também quero saber a sua opinião. Você acha que a nudez precisa ser banida das redes sociais?

Mayumi Sato