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Matheus Pichonelli

Me leva pra Cuba: cineasta quer ajuda para bolsa que governo parou de pagar

A cineasta Evelyn Santos - Foto: Luis Mazzoni/Divulgação
A cineasta Evelyn Santos Imagem: Foto: Luis Mazzoni/Divulgação

Colunista do UOL

02/11/2020 04h00

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Fazer cinema, no Brasil, era uma possibilidade restrita a uma minoria, com raras exceções, há até pouco tempo. Isso começou a mudar significativamente a partir dos anos 2000, com uma profusão de jovens periféricos que passaram a produzir e dirigir as próprias histórias. A periferia entrava em cena por ela mesma, sem intermediários.

Entre os programas que ajudaram a abrir as portas da produção para quem antes só acessava o cinema quando pagava ingresso estava uma parceria, firmada em 2004, entre o governo federal e a renomada Escola Internacional de Cinema e TV de Cuba, fundada, entre outros, por Gabriel García Márquez.

Pelo convênio, o Ministério da Cultura passou a garantir o pagamento das matrículas anuais (valor hoje em torno de R$ 39 mil) e o governo cubano bancava o restante dos custos. O curso tem duração de três anos.

Em 2017, Michel Temer interrompeu esses repasses, que não foram retomados pelo governo Bolsonaro. Com isso, a exemplo de uma série de bolsas de estudos cortadas em anos recentes, a responsabilidade do pagamento das matrículas ficou por conta dos estudantes.

A mudança acertou em cheio os planos de jovens como Evelyn Santos, cineasta de 23 anos nascida na periferia de São Paulo que em julho soube que era uma entre dez brasileiros aprovados para cursar cinema na ilha —mais precisamente em San Antonio de Los Baños.

Sem recursos, ela deu início a uma campanha de nome sugestivo: me leva pra Cuba. O objetivo é arrecadar R$ 50 mil até 21 de novembro para poder bancar custos das matrículas, da passagem e do seguro-saúde. As aulas começam em janeiro.

Desde que lançou a campanha de benfeitora, em 5 de outubro, Evelyn corre contra o tempo. Até agora, arrecadou menos da metade dos R$ 50 mil necessários para realizar seu sonho.

O esforço ajuda a entender a realidade de jovens que, a exemplo dela, pretendem trabalhar com cinema numa época de desmonte dos mecanismos de apoio e ataques sistemáticos à classe artística.

A história de jovens como Evelyn é a história de uma trajetória sob risco de ser interrompida.

Negra e periférica, ela tocava bateria e compunha o coral de uma igreja no bairro da Cachoeirinha, na zona norte de São Paulo, quando descobriu sua vocação para o cinema. No começo da década, ela estudou produção de áudio e vídeo na Escola Técnica Jornalista Roberto Marinho. Tornou-se, assim, técnica de som.

"O som é algo muito intuitivo e sensorial pra mim. Meu pai foi DJ e eu tocava bateria na igreja desde criança. Fazer som no audiovisual é uma função importante e necessária pela qual a maioria das pessoas não se interessa e não compreende", diz a cineasta. "Ser mulher preta e trabalhar com som, uma função majoritariamente masculina e branca, é também um ato de resistência", resume ela no texto do projeto.

Entre 2016 e 2017, Evelyn também integrou o Instituto Criar, idealizado pelo apresentador Luciano Huck, e aprendeu a usar o som para, segundo ela, contar, interpretar e transformar. Por intermédio do Criar, ela conseguiu uma bolsa para estudar direção cinematográfica na Academia Internacional de Cinema (AIC).

Desde então, trabalhou em séries como "Aruanas", YouTube Negro", Blá Blá MTV e o longa "Bia 2.0". Algumas das produções percorrerem festivais como o de Berlim e o de Tiradentes.

No Brasil, ela diz que são poucas as instituições que se dedicam a ensinar e explorar o som de maneira criativa e técnica, utilizando a linguagem sonora no arco narrativo dos filmes. "Isso é uma grande dificuldade atualmente pra mim, pois não quero ser apenas uma pessoa para apertar botão, e sim refletir e produzir sobre a construção sonora e criativa de uma obra audiovisual", explica.

Como resume o release que ela mesmo tem distribuído para jornalistas em busca de apoio para a campanha, ajudá-la a completar sua formação "significa também dizer a todas as meninas pretas e periféricas que elas podem —e devem— sonhar. Que é possível —e necessário— ocupar espaços em profissões até então majoritariamente masculinas e brancas. Mandar Evelyn para Cuba é abrir o caminho para as próximas Evelyns que virão".

O link para quem puder contribuir e ajudar na divulgação da campanha é https://benfeitoria.com/melevapracuba