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Mariana Kotscho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Vamos respeitar a infância: criança não trabalha e criança não é mãe

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Imagem: iStock

Colunista de Universa

26/06/2022 04h00

Criança não trabalha e criança não é mãe. Acho que esses são princípios básicos da extensa lista de regras, leis e também de bom senso que, juntos, devem garantir uma infância saudável e feliz. Criança também não deveria passar fome, nem ficar longe da escola, nem ser agredida psicologicamente nem fisicamente. O que estamos fazendo da infância? E cadê as políticas públicas para a primeira infância, considerado o período dos 0 aos 6 anos?

Quando uma juíza como Joana Ribeiro Zimmer, de Santa Catarina, pergunta para uma criança de 11 anos, grávida, vítima de estupro, se ela aguenta prolongar a gestação mais um pouquinho ou se gostaria de dar nome pro bebê, eu só consigo entender isso como tortura. Quando adultos irresponsáveis e desumanos assumem o poder, é isso o que acontece.

Quando fui repórter no Ceará, uma matéria que realizei sobre trabalho infantil no sertão me marcou muito. Vi crianças de 2, 3 anos, que mal sabiam falar, usando facões gigantes para descascar mandioca em casas de farinha. A habilidade das crianças, com aqueles facões quase do tamanho delas, era chocante.

Também nas minhas andanças como repórter, certa vez fui entrevistar crianças sobre medos. As crianças dos bairros melhores tinham medo de fantasma, de monstro, de barata. Já as crianças que moravam em favelas, tinham medo de tiro, de bala, de armas. Cada infância, uma sentença.

A desigualdade começa já na gestação, no acesso da mãe ao pré-natal e a um parto digno.

A violência, seja ela individual ou coletiva, tira dessas crianças seus direitos. E elas têm direitos que devem ser garantidos pelo Estado: o Brasil tem desde 1990 o ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente que determina os direitos dos menores de idade no país. Consta no ECA a Declaração Universal dos Direitos da Criança, que inclui o direito à igualdade, à educação, ao amor, entre outros, por parte dos pais e da sociedade. Isso quer dizer que todos nós somos responsáveis por estas crianças.

Acompanho há anos a luta de mães (sim, geralmente são as mães) pelo cumprimento dos direitos de seus filhos. Principalmente quando existe uma questão de saúde, como no caso da menina que engravidou aos 10 anos, ou quando envolve alguma deficiência.

É a luta pela vida de de um filho ou filha para que se faça cumprir a lei. Muitas vezes, essas mães transformam isso até em algo ainda maior, para ajudar outras famílias na mesma situação, criando associações, institutos, ONGs ou fazendo campanhas.

Não é raro vermos nas redes sociais campanhas por um filho ou filha, que precisa de um medicamento caro ou um tratamento específico. Ou seja, não bastam as leis, é preciso brigar para fazer com que elas sejam aplicadas. São crianças com doenças raras, com síndrome de down, autismo, paralisia e tantas outras questões que, muitas vezes, o que precisam é de uma simples palavra de significado enorme: inclusão.

Muito ainda temos que evoluir enquanto sociedade para promovermos a empatia e a verdadeira inclusão e combater o capacitismo, que é o preconceito com a pessoa que tem uma deficiência. A inclusão precisa acontecer nas escolas, nas ruas e, inclusive, dentro da própria família.

Trago como exemplo um trecho do artigo que Thaissa Alvarenga, presidente da ONG Nosso Olhar, publicou no Papo de Mãe: "Não é tudo um mar de rosas. Ter um filho com deficiência traz uma série de desafios e exige muita dedicação. No fim, não se trata apenas da criança, é o adulto que precisa aprender a sonhar novos sonhos, criar expectativas reais e entender que existe um mundo repleto de possibilidades para eles e para nós. Só precisamos encontrar o caminho e aceitá-lo para, então, desfrutar da felicidade que a vida tem reservado para nós". Compreender isso é também um caminho para a verdadeira inclusão.

É importante ressaltar a garantia de direitos deve abranger todo o núcleo familiar da criança, para que existam as condições necessárias para fazer com que seus direitos por uma infância plena sejam cumpridos. Tenha a criança uma necessidade especial ou não. Seus pais precisam ter acesso a emprego, moradia, comida: condições mínimas de sobrevivência. Daí me lembro que voltamos pro mapa de fome e que me corta o coração ver famílias inteiras morando nas ruas, crianças fora da escola, pedindo esmolas nas esquinas. Enquanto existir uma criança nessas condições, a humanidade ainda terá muito o que evoluir.

Se não houver o básico necessário na infância, o que esperar do futuro? Criança tem que poder brincar, comer, tem onde dormir, ter escola e acesso à saúde. E, acima de tudo, ser amada. Por todos.