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Mariana Kotscho

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Posvenção: como pais e escolas podem lidar com suicídio de adolescente?

Getty Images/EyeEm
Imagem: Getty Images/EyeEm

Colunista de Universa

19/06/2022 04h00

Não tem como esconder. Afinal, a notícia de que uma menina de 13 anos se matou esta semana dentro de uma escola particular tradicional de São Paulo se espalhou rapidamente nos grupos de outras escolas, de pais e mães, de alunos, e pelas redes sociais. Um fato trágico que chocou a todos.

Durante meus 30 anos de carreira, houve uma época em que era proibido noticiar suicídio por haver um entendimento de que isso estimularia outros casos. Porém, conversando com especialistas da área, essa recomendação vem mudando, pois há quem entenda que, ao falar, promovemos a prevenção. Mas é claro que isso implica responsabilidade e respeito. Existe uma família sofrendo, uma escola inteira vivendo um trauma.

Não temos detalhes dos motivos que levaram alguém tão jovem a tirar a própria vida, e isso nem vem ao caso. Depois de fazer muitas reportagens ao longo da vida sobre o tema, já sei que o que leva ao suicídio pode ser um conjunto de fatores. Mas, falando em estudantes, nunca podemos descartar uma conversa séria sobre bullying.

Tenho 3 filhos adolescentes e me lembro de algumas histórias muito tristes que aconteceram quando eram menores. Uma das meninas, de cabelos muito cacheados, ao 5 anos, chegava chorando da escola porque os coleguinhas riam do cabelo dela e diziam que ela deveria alisar. Eu expliquei que cada um nasce com o cabelo que combina com seu rosto e que o dela era maravilhoso e único.

O mais grave mesmo aconteceu com outra filha. Durante duas semanas ela chegava muito cabisbaixa em casa e eu perguntava, perguntava, mas ela não me contava nada. Até que um dia trouxe um bilhete de duas meninas pedindo desculpas porque a chamavam de gorda e escondiam os óculos e todo o material escolar dela pela classe e faziam ela passar o recreio procurando. Bullying puro. Tanto eu quanto a escola demoramos muito para descobrir.

Foi necessário explicar para ela que quando coisas assim acontecem devemos falar para os adultos imediatamente. Mas sabe o que foi mais triste? A mãe de uma das meninas envolvidas foi chamada pela direção e, ao me ligar, em vez de lamentar o ocorrido, reclamou que eu havia pedido providências para a escola.

Conversei durante a semana com diversos especialistas. Para Paulo Bueno, psicólogo e psicanalista, docente do Instituto Gerar Psicanálise, Perinatalidade & Parentalidade, "a prevenção tem como base primordial a detecção dos sinais de risco". Ele observa, que muito se fala sobre a prevenção e poucas vezes é mencionada a posvenção: "O suicídio de um jovem tem o peso de uma catástrofe numa comunidade escolar. É preciso, antes de tudo, que seja oferecido um espaço de fala e escuta coletiva aos professores e outros funcionários. Conversas em que os adolescentes possam falar de sua relação com o amigo perdido, sobre suas emoções e dores. Eventualmente, é importante que alguns alunos e até mesmo professores sejam encaminhados para acompanhamento psicológico".

Paulo também comentou como podemos ajudar uma família neste momento de dor. "Os pais precisam ser acolhidos nesse momento. Em nossa cultura, a perda de um filho é a maior das perdas. E pode ter efeitos devastadores. É importante que os pais procurem um profissional que os auxilie nesse processo".

Eu pedi para Paulo Bueno dar algumas dicas sobre sinais de que algo não vai bem com a criança ou adolescente e ele destacou: isolamento social, manifestação recorrente de tristeza e automutilação. Mas explicou que a automutilação, que são os cortes que alguns adolescentes fazem nos braços e nas pernas, por si só não é um determinante. Só que certamente é um ponto de atenção. "Os jovens não exibem para a família esses cortes. Os parentes ou professores irão desconfiar quando o adolescente passa a usar roupa de manga longa invariavelmente, até mesmo no calor".

Na tentativa de trazer mais informações às famílias, também conversei com Miguel Boarati, psiquiatra da infância e adolescência. Ele citar o projeto coordenado pela psicóloga Karina Okajima Fukumitsu, especialista em suicidologia chamado "Raise, somos mudanças" que apresenta uma série de ações de cuidado para o sofrimento existencial e que também atua em ações de prevenção, posvenção e acolhimento para os enlutados por suicídio. O bullying é o pior tipo de assédio moral que pode acontecer com um jovem. O dano emocional é imenso", afirma. Leia a entrevista a seguir:

MARIANA KOTSCHO: Afinal, devemos ou não divulgar casos de suicídio? Tem o jeito correto?
MIGUEL BOARATI: Existe um efeito de "contágio coletivo" chamado Efeito Werther, criado a partir de um fenômeno ocorrido quando da publicação de uma obra de Goethe (1774) chamado "Os sofrimentos do Jovem Werther" onde o protagonista se suicida por amor não correspondido. Diversas pessoas se suicidaram de forma semelhante ao protagonista.

A "glamorização" do suicídio seria uma das explicações para esse fenômeno. No entanto, o assunto deve sim ser tratado e com muito cuidado, criando ações de acolhimento para os enlutados pelo suicídio e com ações precisas abrindo espaços para conversa, mas que deverão ser feitas em ambientes de cuidado e grupos bem conduzidos por pessoas experientes.

É diferente o impacto quando se trata do suicídio de uma criança ou adolescente?
Sim, significativamente mais. Existe uma crença coletiva de que esse fenômeno não ocorre em crianças e adolescentes, exceto quando há um problema muito grave. No entanto, os gatilhos são diversos e se modificam ao longo do desenvolvimento.

Como a escola deve lidar quando acontece?
A escola não deve silenciar o assunto com medo de aumentar os casos, mas tratar com o devido cuidado. O comportamento suicida vai além da tentativa e consumação, mas passa pela ideação e pelo planejamento.

Há jovens que mesmo sem um diagnóstico confirmado de transtorno mental ou problemas familiares já apresentaram pensamentos de morte, ideia de como acabar com a vida e tentativas (uma ou mais ao longo da vida escolar) ao longo da adolescência.

Precisamos lembrar que o suicido é a 2ª causa de morte em adolescentes dos 12 aos 19 anos.

A que sinais pais devem ficar atentos?
Sinais que possam sugerir que os filhos estão em sofrimento. Além de sinais que se assemelham a quadros de humor depressivo, ficar atento quando o jovem não demonstra expectativa com o futuro, não busca atividades que antes lhe davam satisfação e começam a ficar muito tempo isolados das pessoas e somente nas telas.

Bullying por si só pode ser causa de suicídio ou envolve outros fatores?
O bullying é o pior tipo de assédio moral que pode acontecer com um jovem. O dano emocional é imenso. Antigamente, o bullying ocorria predominantemente nas escolas e nos locais de agrupamento de jovens como agremiações, condomínios e clubes. Hoje o bullying acontece nas redes sociais e pela internet e foge do controle.

A dimensão da violência principalmente psicológica, mas também física, que a vítima fica sujeita pode ser um importante gatilho para a tentativa de suicido. Os principais temas que são explorados na prática do bullying estão relacionados às dificuldades do jovem, como problemas na socialização, fracasso acadêmico, características físicas, condição socioeconômica e sexualidade.

LEI ANTI BULLYING

E vocês sabiam que bullying é crime? Em 2015, foi criada a Lei que estabelece o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) em todo o Brasil. A Lei 13.185/2015 determina que será considerada intimidação sistemática (bullying) todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas. Agressores e escolas podem ser responsabilizados civilmente.

Serviço

Se você conhece alguém que precisa de ajuda, o Laboratório de Estudos e Pesquisa em Prevenção e Posvenção do Suicídio (LEPS) e o Centro de Educação em Prevenção e Posvenção do Suicídio (CEPS) da EERP criaram o InspirAção. Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o site traz informações, artigos científicos e instruções sobre o tema, além de disponibilizar cartilhas para os interessados.