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Mariana Kotscho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Um dia para celebrar colo de mãe, abraço de vó, beijinho da bisa

pixelfit/Getty Images
Imagem: pixelfit/Getty Images

Colunista de Universa

08/05/2022 04h00

Se avó é mãe duas vezes, bisa é três? Esta semana perdi minha avó, a Maria Lúcia, a vovó Lucinha, a bisa Lúcia, 98 anos muito bem vividos. Neste Dia das Mães, temos mais é que comemorar por ela ter estado por tanto tempo com a gente, ter criado 3 filhos, entre eles minha mãe, Mara, 7 netas, entre elas eu, e 9 bisnetos, entre eles os meus 3 filhos. A décima bisneta, Bella, filha da minha prima Nara, está a caminho.

Lucinha era puro amor e dona da receita do melhor brigadeiro do mundo. O aniversariante do dia sabia que ao abrir a porta de casa logo cedo já estaria ali na porta as "quentinhas" com os brigadeiros bem embalados deixados por ela (que pegava o primeiro ônibus do dia para chegar antes que alguém da casa acordasse, porque nunca queria "incomodar"). Outros quitutes dela são inesquecíveis, como os ovos nevados ou o pão de minuto, mas saborosas mesmo eram suas músicas ao piano, que nos faziam dançar ao som de Zequinha de Abreu ou clássicos cantados por Inezita Barroso, sem contar o embalo do violão ou do acordeon. Sim, minha avó era uma banda completa.

O segredo da sua longevidade? Sem dúvida, era o bom humor. Nos últimos anos de vida, ela perdeu a memória, mas sem perder a piada. A mãe da Lucinha, bisa Ottilia, também passou dos 90. Era dentista, a primeira mulher da turma dela. Trabalhou a vida toda. Sempre muito ativas.

Numa das últimas conversas com minha filha Bebel, bisa Lúcia disse: "Sabe, filha, é preciso saber viver". E ela soube. E soube amar e ser amada. Basta ver pela adoração que nós, cada uma das netas (sim, só netas mulheres) temos por ela. Eu, Carol, Dani, Mayra, Livia, Nara, Camila. 7 mulheres apaixonadas por esta avó que cuidou tanto de nós e com cada uma criou um vínculo, para cada uma dedicou algo ou ensinou . Mas os olhos verdes ficaram só com a Dani...

Minha outra avó, Beth, também não me escolheu como herdeira dos seus olhos azuis, que ficaram com minha prima Renata. Família de mulheres fortes, vovó Beth era alemã e chegou ao Brasil em 1948 como refugiada da 2a Guerra. Logo ficou viúva e trabalhou a vida toda para sustentar os dois filhos neste país onde também nasceram seus 5 netos e a maior parte dos 15 bisnetos.

Eu tenho a maior admiração pelas mulheres da minha família. Até pelas bisas que eu nem conheci, como a Nadezda Pokrovska, que fugiu da Russia pra Romênia, a Florentina Heinz, que era judia da Alemanha, a Carmen Chagas Nogueira, que era de Minas Gerais.

Hoje em dia, tem muita discussão sobre se avó deve ou não cuidar de neto. Eu acho que, havendo "comum acordo", tudo se resolve. Tem avó que é doida pra cuidar de neto e os pais não deixam e outras que não fazem a menor questão, mas se sentem obrigadas. O melhor é conversar e fazer aquilo que é possível, e que agrade ambos os lados.

Quando meus filhos nasceram, minha mãe queria muito cuidar deles também. Mesmo trabalhando ainda, fazia o possível e o impossível para me ajudar. Aliás, até hoje é assim, obrigada, mãe! E a minha vovó Lúcia, quando minha mais velha nasceu, a Laura, ia todos os dias até minha casa, mas não para cuidar da bebê. Ela dizia que ia para cuidar de mim. Aquilo me emocionava demais. Enquanto eu amamentava, ela me levava água, fazia suco, ou simplesmente mexia no meu cabelo - eu sempre adorei um cafuné. Cafuné de vó. Perder uma avó sempre é triste, mesmo que ela tivesse quase 100.

Meus filhos perderam a avó paterna, Vera, no ano passado. Foi de Covid-19. Tristeza imensa. E eles não tiveram a oportunidade de conhecer a dona Lena, mãe do padrasto Rodrigo, o que deixou meu caçula, André, muito arrasado na época: "Que pena que essa vovó já morreu e a gente não vai conhecer ela, né mamãe?".

Dia das mães também é dia de lembrar das mães que partiram. E para as mães que perderam seus filhos, é dia de celebrar a memória deles. Meu beijo especial para Helena Taliberti, Gladys Ajzenberg, Rita de Cassia, Ana Beatriz, do fundo do meu coração.

Nossas famílias são feitas de muitas mães, madrastas, avós, avódrastas, bisas - mulheres que, de alguma maneira, exercem a chamada maternagem, o ato e cuidar, praticada muitas vezes também pelas filhas em relação aos pais. Meu sobrinho, João, é um garoto de sorte: tem 3 vovós! Nada como as novas configurações familiares...

Laços de família envolvem sempre emoção, afeto, carinho, sendo ou não de sangue. Muito se discute atualmente sobre se as escolas devem ou não comemorar dia das mães, se devem chamar de dia das mães ou de "dia da família". Entendo que nem todas as famílias tenham uma mãe, por diferentes motivos. Por isso acho que comemorar dia das mães pode ser algo restrito a cada família, uma decisão individual e que não precisa de um evento coletivo. Assim, se respeita cada constituição familiar. Porque, por outro lado, acho importante valorizar a mãe. Talvez seja meu lado egoísta dizendo: "Se hoje é meu dia, aceito ser mimada, então todos vão me obedecer, me entregar os celulares, arrumar a minha cama e deixar a casa impecável. Eu vou dormir depois do almoço sem culpa e meu sobrenome não será exaustão".

O mais importante é valorizarmos todas essas mulheres. As que já partiram, as que estão vivas, as que ainda virão. Enaltecer suas vidas, suas histórias. Até porque, se não fossem minhas quatro bisavós, por exemplo, eu nem estaria aqui para escrever este texto.

Eu não peço presente de dia das mães, mas faço questão de ganhar aqueles cartões dos meus 3 escritos à mão, com direito a desenhos e tudo. Acho a coisa mais linda. Mesmo que eles já sejam grandes. Bobeira de mãe, sabe? Mãe pode.

Feliz dia das mães para mães, avós, bisavós e até tataravós. Filhas, filhos, filhes. Para as famílias.