Ser mulher é violento: não sei falar de Cannes sem falar de Kristen Stewart
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"Ser uma mulher é uma experiência muito violenta. Nós somos literalmente segredos ambulantes. Shhh. Silêncio. Melhor não falar nada. A gente quer te ver, mas não quer te ouvir." As aspas são da atriz Kristen Stewart em uma das entrevistas no festival de Cannes sobre o lançamento do filme em que estreia como diretora, 'A Cronologia da Água'.
A trama sobre traumas e superações conta a história de uma nadadora olímpica que foge de um lar abusivo ao ganhar uma bolsa de estudos. Sua trajetória de dor, no entanto, segue presente, mesmo longe casa, com questões envolvendo drogas e maternidade.
Adaptado do livro de memórias de Lidia Yuknavitch, o roteiro, assim como o livro, ressalta a importância da escrita como forma de dar sentido a algo sem sentido: uma infância marcada por violações sexuais.
Para ser sincera, eu queria estar falando de outro filme. Com "O Agente Secreto", Wagner Moura e Kleber Mendonça - dois grandes artistas do nosso país - receberam prêmios inéditos no festival francês, de melhor ator e melhor diretor. É uma conquista importantíssima em um ano glorioso para o nosso cinema que, assim como "Ainda Estou Aqui", também traz de volta - e para o mundo - os anos em que vivemos sob a ditadura.
Sou suspeita para falar de Wagner, um dos sujeitos mais extraordinários e talentosos que conheço - e não perde uma única oportunidade de reafirmar sua origem e sua ausência de afetação com confetes internacionais. Kleber, de quem só conheço os filmes, não fica atrás. 'Retratos Fantasmas', aliás, é uma das experiencias mais comoventes que já vivi em uma sala escura. Ator e diretor há anos fazem questão de dizer exatamente de onde vem suas identidades, e como é bom ver arte e política dançando juntas - ainda mais aquele frevo.
Mas preciso terminar com a fala de Kristen Stewart. Porque se Wagner vem da Bahia e Kleber de Pernambuco, a atriz americana, como eu, vem de um estado que, apesar de ser escrito com minúscula, nos une como irmãs que jamais se viram. Um estado que se chama "ser mulher", e que existe através do medo e do silêncio.
Agora mesmo, enquanto falo sobre cinema - e sei que para quem não me conhece aparento ser alguém com alguma coragem - estou em silêncio. Sou, como a grande maioria das minhas amigas, mais uma integrante do time dos segredos escondidos. Porque já entendi o jogo, e sim, sou oprimida por ele.
As vezes dói mais, às vezes dói menos, as vezes até me acostumo. Nessa semana, especialmente, está difícil. Eu queria comemorar as vitórias do Brasil em Cannes, mas só consigo pensar no som das palavras de Stewart: shhhhh!!!!!
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