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Maria Carolina Trevisan

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Covid-19: cresce pressão por ação coordenada e lockdown nacional

vacina, vacinação - Getty Images
vacina, vacinação Imagem: Getty Images

Colunista de Universa

03/03/2021 04h00

É muito provável que março de 2021 se torne o mês mais fúnebre da história do Brasil. São Paulo anunciou nesta quarta (3) a volta à fase vermelha, endurecendo restrições. Com o avanço da covid-19, 18 estados têm mais de 80% das UTIs ocupadas, com o sistema de saúde prestes a colapsar ou em colapso. Catorze estados e o Distrito Federal estão com a média móvel de óbitos em ascensão: Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso, Acre, Pará, Tocantins, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, segundo dados do consórcio de veículos de imprensa de terça (2). O Amazonas contabilizou nos primeiros dois meses de 2021 mais mortes por covid-19 que no ano passado inteiro. Há uma explosão de casos e de internações. A concentração de pessoas sem máscaras também provoca a proliferação das diferentes cepas presentes no país.

Nesta terça (2), o Imperial College divulgou que a taxa de transmissão de covid-19 no Brasil teve um aumento repentino e chegou a 1,13, o que significa que a pandemia está sem controle. As pesquisas têm mostrado também que as variantes do vírus são muito mais transmissíveis que sua versão original, têm evolução mais rápida e acometem também os jovens. A Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre divulgou, por exemplo, um aumento de 380% nas internações de pessoas entre 18 e 30 anos no mês de fevereiro em comparação com janeiro de 2021. A Organização Mundial de Saúde (OMS) informou que os óbitos por coronavírus no mundo estão em queda de 6%, mas no Brasil estão em alta de 11%, em aceleração.

Responsabilidades para a calamidade

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus ministros têm responsabilidade por, um ano depois do primeiro caso confirmado de coronavírus no Brasil, estarmos diante de uma calamidade.

A promoção de aglomerações sem proteção, a defesa de um medicamento inócuo contra o coronavírus e perigoso ao coração, a falta de envio de oxigênio a Manaus mesmo sabendo da gravidade, um plano de vacinação que não funciona, as mentiras sobre a eficácia do uso de máscara e a minimização das consequências da doença, promovidos especialmente pela figura do presidente Bolsonaro, legitimaram pessoas a ignorar a pandemia.

Na insistência em imputar a culpa aos governos estaduais e ao Supremo Tribunal Federal e se esquivar de compromisso com o enfrentamento da crise sanitária, o governo abriu mão de coordenar o combate à covid-19, uma obrigação do Ministério da Saúde.

Mas a realidade é implacável e se impõe: o alto preço que terá de pagar pelas vidas perdidas cobrará do governo Bolsonaro nas urnas e o mês de março será um marco. A pesquisa do instituto Ipec divulgada nesta terça (2), mostra que a maior parte dos brasileiros avalia o governo Bolsonaro como ruim/péssimo (39%). Sua popularidade depende do auxílio emergencial, que não consegue apresentar.

É possível pensar que interessa ao governo estender a crise sanitária e boicotar a vacinação. Seria a maneira mais efetiva de evitar manifestações que desgastem ainda mais a popularidade de Bolsonaro. Seria também macabro e criminoso.

Nessa toada, em vez de se safar, o presidente Bolsonaro encaminha boa parte da população rumo à morte, diante dos olhos nus de todos nós. Nem medidas populistas como as intervenções no diesel, gás e gasolina ofuscam a devastação da dor da perda.

Com as inúmeras omissões e negligências do governo federal, são os governadores, o Congresso Nacional e ministros do Supremo que têm nas mãos a responsabilidade de agir e tentar frear a pandemia. A forte decisão da ministra do Supremo Rosa Weber no domingo (28), que obriga o Ministério da Saúde a financiar os leitos de UTI-covid que deixou de pagar aos estados, mostra que a Corte está atenta à proteção da população e que pretende corrigir o caos em que nos metemos.

A ministra diz com todas as letras: "ocorre que as vidas em jogo não podem ficar na dependência da burocracia estatal ou das idiossincrasias políticas. (...) Em xeque, na pandemia do Coronavírus, cláusulas vitais de saúde coletiva. O discurso negacionista é um desserviço para a tutela da saúde pública nacional. A omissão e a negligência com a saúde coletiva dos brasileiros têm como consequências esperadas, além das mortes que poderiam ser evitadas, o comprometimento, muitas vezes crônico, das capacidades físicas dos sobreviventes que são significativamente subtraídos em suas esferas de liberdades. (...) as condutas dos agentes públicos que se revelem contraditórias às evidências científicas de preservação das vidas não devem ser classificadas como atos administrativos legítimos, sequer aceitáveis. No limite e em tese, as ações administrativas erráticas que traiam o dever de preservar vidas podem configurar comportamentos reprimíveis sob as óticas criminal e do direito administrativo sancionador. (...) O não endereçamento ágil e racional do problema pode multiplicar esse número de óbitos e potencializar a tragédia humanitária. Não há nada mais urgente do que o desejo de viver." Weber dá um recado muito claro ao governo federal de que o STF não tolerará mais o negacionismo, as mentiras, as omissões e negligências do governo federal. A sociedade espera esse pulso.

Governos e legislativo

Em carta endereçada ao presidente nesta segunda (1º), 19 governadores contestam informações de Bolsonaro acerca do repasse de recursos da União aos estados, que é obrigatório e está previsto na Constituição, mas Bolsonaro fez soar como uma transferência específica para o combate à covid.

"A linha da má informação e da promoção do conflito entre os governantes em nada combaterá a pandemia, e muito menos permitirá um caminho de progresso para o país", diz a carta, assinada inclusive por aliados do presidente, como o governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD,, de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), do Rio de Janeiro, o interino Claudio Castro (PSC). O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), declarou em entrevista que Bolsonaro "despreza a sua gente" e que seu comportamento "infelizmente está matando".

Deputados e senadores também passaram a se posicionar com veemência por medidas de contenção da pandemia e por mais vacinas — melhor meio de diminuir a incidência da covid-19. Nesse sentido, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), destoa e ainda se mantém ao lado do presidente, junto com os deputados bolsonaristas-raiz e os filhos de Jair. Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, tem sido mais crítico mas botou panos quentes em entrevista ao Roda-Viva, ao dizer que governo errou com vacina ("podia ser mais ágil") mas não vê crime de responsabilidade. Tenta facilitar a compra de vacinas por empresas privadas. Ambos patinam para aprovar o auxílio emergencial, necessário.

Proposta de lockdown nacional ganha força

Os especialistas que estão à frente da gestão da crise sanitária e importantes pesquisadores da área têm alertado para a necessidade de uma medida mais drástica e emergencial para arrefecer o contágio neste mês de março. Também os secretários de Saúde dos estados pediram, em carta aberta, por meio do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), um toque de recolher noturno em nível nacional e a volta do auxílio emergencial., "um pacto pela vida" de todos. O objetivo é "evitar o iminente colapso nacional das redes pública e privada de saúde", em marcha.

A ideia de um lockdown nacional tem ganhado força. Seria uma maneira de adotar um encaminhamento comum a todo o país e, ao mesmo tempo, obrigar o Ministério da Saúde, apesar do presidente da República, a se posicionar e a coordenar alguma atuação diante da pandemia — papel que deveria estar desempenhando sem necessidade de pressão. O tempo demanda ação estratégica, quanto mais tempo passa, mais perdas. Há servidores competentes no ministério. Existe um conhecimento enorme sobre vacinação em massa que está posto. É preciso afastar da liderança quem só atrapalha, nega e compactua com a dor. A economia não vai melhorar enquanto a pandemia persistir. A transferência de renda é mais uma roda dentada fundamental nessa engrenagem. Precisa ser movimentada em conjunto, para proteger da covid e da fome.