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Maria Carolina Trevisan

Faria e Damares se empenham por Eustáquio e ignoram violações contra presos

Oswaldo Eustáquio usa máscara com a foto de Bolsonaro - Reprodução de vídeo
Oswaldo Eustáquio usa máscara com a foto de Bolsonaro Imagem: Reprodução de vídeo

Colunista do UOL

29/12/2020 15h24

"Tão logo tomamos conhecimento, tomamos providências", esclareceu a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, sobre o blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio, que sofreu uma queda no Complexo Penitenciário da Papuda, onde cumpre prisão preventiva e foi internado no Hospital de Base de Brasília. "Inclusive tem um assessor do ministério dentro do hospital desde cedo com a família e com o advogado dele. Nós queremos a apuração do que de fato aconteceu com o jornalista na prisão. Vamos acompanhar exigindo o melhor tratamento", assegurou Damares.

Nunca o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos se empenhou tanto por uma pessoa privada de liberdade quanto tem se dedicado ao caso de Eustáquio, blogueiro bolsonarista que responde a inquérito sobre sua atuação nas manifestações antidemocráticas contra os Poderes da República. O ministro das Comunicações, Fabio Faria (PSD), confirmou que o governo Bolsonaro está dedicado a acompanhar o caso. "Esse assunto está sendo tratado no Ministério da Justiça e AGU. Estamos totalmente cientes e acompanhando de perto!", escreveu em sua conta no Twitter.

As postagens dos ministros foram respostas a questionamentos de bolsonaristas, como Allan do Santos, sobre a falta de posicionamento da família Bolsonaro acerca do caso. Sentem-se traídos, já que estiveram empenhados na condenação de Adélio Bispo, preso pelo atentado contra Jair. Nesta segunda (28), o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) autorizou que Eustáquio tenha acompanhamento médico de duas especialistas e uma enfermeira e seja transferido ao hospital Sarah Kubitschek, um dos centros de reabilitação mais importantes do país. Uma das médicas que acompanhará o blogueiro é Nise Yamaguchi, próxima ao presidente e que chegou a ser cotada para ocupar a pasta da Saúde. Ela defende o tratamento com hidroxicloroquina contra o coronavírus.

Prisão preventiva

Oswaldo Eustáquio foi preso preventivamente por ter descumprido determinação de prisão domiciliar em 18 de dezembro, após se deslocar para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. O blogueiro havia pedido uma reunião com a ministra Damares. Sua requisição foi prontamente atendida. Mas por conta da domiciliar, o ministério sugeriu primeiro uma conversa por vídeoconferência. Diante da insistência de Eustáquio em realizar o encontro pessoalmente, o MDH propôs, então, que uma pessoa da pasta fosse à residência, mas isso não o satisfez. Ele insistiu em comparecer ao Ministério, Damares mandou cancelar o encontro temendo que ele fosse preso, mas mesmo assim o blogueiro visitou o ministério na presença de seu advogado. Ele se considera um preso político.

Ao detectar a infração por meio da tornozeleira eletrônica, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a Polícia Federal o detivesse. "Após sucessivas oportunidades concedidas ao investigado, ele continuou a insistir na prática dos mesmos atos que lhe foram anteriormente vedados por expressa determinação da Justiça, situação que revela a inutilidade das medidas cautelares impostas, bem como a própria ineficácia da prisão domiciliar, haja vista que Oswaldo Eustáquio Fillho, ao invés de permanecer no interior da sua residência cumprindo o que lhe fora determinado, continuou circulando livremente além do limite permitido", escreveu o ministro.

A ministra Damares gravou pronunciamento em que explica passo a passo a tentativa de atender à solicitação de Eustáquio para ser ouvido por ela. "Vocês acham que o ministério colocaria em risco a vida de uma pessoa que estaria lá dentro pedindo socorro? Não é dessa forma que o ministério trabalha", respondendo à reação das redes sociais. Sandra Terena, esposa de Eustáquio, foi secretária de Igualdade Racial no MDH.

Sistema penitenciário como tortura permanente

Com a terceira maior população carcerária do mundo e condições desumanas nos presídios do Brasil, as mais de 773 mil pessoas privadas de liberdade sofrem violações de direitos humanos permanentes, situação reconhecida pelo próprio STF. Seria interessante que os ministros do governo Bolsonaro se comprometessem com a vida de todos os presos. Não é isso o que ocorre. A agenda do ministério da Justiça e Segurança Pública trabalha pelo encarceramento em massa. As condições de existência dentro dos presídios não parecem ser uma preocupação de Damares, Faria, André Mendonça ou Bolsonaro.

O retrato do sistema carcerário brasileiro durante a pandemia é ainda pior: o Desencarcera RJ denunciou falta de água e comida nos estabelecimentos penais do estado, assim como a subnotificação dos casos de covid-19; o Infovírus revelou que em Goiás é crescente o número de presos com coronavírus e que sofrem maus tratos, situação denunciada em vídeos; e o Ministério da Saúde retirou a população carcerária dos grupos prioritários para receber a vacina contra a covid-19, em flagrante desprezo por essas vidas sob custódia do Estado. Tudo isso apenas nas últimas duas semanas.

A Penitenciária da Papuda, onde Eustáquio estaria cumprindo pena não tivesse se acidentado, foi denunciada por tortura (submissão ao frio, à fome, à sede, agressões), ameaças e cerceamento de denúncias com castigos. "Estamos pedindo socorro", afirmou um familiar no registro do Infovírus, que teme pela vida de seu parente. Damares não se mobilizou.

É comovente a solidariedade de ministros com o quadro de saúde de Oswaldo Eustáquio e sua prisão. Seria melhor se não fosse uma preocupação seletiva. A função do Estado é governar para todos.