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Maqui Nóbrega

A moda não é só pra Gisele Bündchen, é para todo mundo

Capa de maio da Vogue, com Gisele Bundchen - Reprodução
Capa de maio da Vogue, com Gisele Bundchen Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

01/09/2020 04h00

Antes de criar conteúdo para a internet, eu trabalhei por quase 10 anos como designer em revistas. De títulos pequenos que não eram nem vendidos em banca, até os maiores do país. Revistas femininas, masculinas, adolescentes, até em revista de fofoca eu trabalhei!

Estou contando isso porque essa semana vieram à tona denúncias de assédio, abuso e humilhação de ex-funcionários da Vogue e isso chocou um total de zero pessoas que já trabalharam ou ainda trabalham no mercado editorial. Pois é, a síndrome de Miranda Priestly pega forte as chefes de redação do nosso Brasilzão. E hoje, infelizmente, eu vou falar das mulheres, porque esse tipo de comportamento já é meio esperado de homens no poder (nem conto os absurdos que já vi em redação de revista masculina). Mas das mulheres? Porra, dói fundo.

Como leitoras, a gente vem reclamando há alguns anos já sobre a falta de representatividade nas revistas de moda. Como pode você, brasileira, se sentir 0% representada na maior revista de moda do seu país? Lendo os depoimentos dos ex-funcionários da Vogue, fica mais do que claro como. Para aguçar o seu faro de balela, eu acho ótimo que você tenha esses breves momentos de acesso aos bastidores.

Se nas páginas da revista, que é o que o público vê, você farejar racismo, homofobia, gordofobia, transfobia ou qualquer outro tipo de preconceito, imagina o que não rola nos bastidores, escondido de você. Como as denúncias confirmam e eu, que já estive lá, posso confirmar também: é pesado.

A moda é muitas coisas, arte, expressão, cultura, entretenimento...mas não pode nunca ser prisão. A moda não é só pra Gisele Bündchen, é para todo mundo. Não é por acaso que a mulher que segue tendências cegamente é chamada de "fashion victim", vítima da moda. Ninguém, além de você mesma, deve te dizer o que você pode ou não vestir. Buscar inspiração e referências es mais do que liberado, mas, por favor, não pensem nem por um segundo que as mulheres que estão nas redações sabem mais sobre o seu estilo do que você mesma. Se você não se sente representada nas páginas dessas revistas, a inadequada não é você.

Preciso, também, desromantizar a redação de uma revista de moda. Esquece o que vocês viram em "O Diabo Veste Prada", ou até mesmo em "Dietland", série que eu já indiquei aqui. O super closet de roupas grifadas geralmente é uma sala sem graça com algumas araras, e as roupas grifadas nem ficam lá. A sala da chefona blasé não tem vista panorâmica para Manhattan, no máximo dá pra ver uma rua da Vila Olímpia, em São Paulo, entupida de carros. A redação não é um salão chique minimalista com mulheres sempre vestidas como se estivessem entrando na passarela gritando "conseguiu falar com o Armani?" uma pra outra. Quase sempre é uma sala com baias bege, carpete no chão e janelas que não abrem, bem repartição pública mesmo.

Dito isso, saiba que o trabalho é quase zero glamour. Claro, é melhor que muitos trabalhos, mas pior que vários outros também. Coisas como bater cartão, tirar férias, descansar aos finais de semana são consideradas cafonas. Como é um trampo criativo, a cultura diz que você tem que estar o tempo todo ON, o tempo todo criando, o tempo todo grata.

Revistas que são criadas em um ambiente hostil de abuso e humilhação entre mulheres, não servem pra gente. Ou as diabas vestindo Prada entendem isso de vez ou se tornarão cada vez mais irrelevantes. Continuemos farejando!