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Juliana Borges

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Jojo Todynho e 'hate' pós casamento. Pode a mulher negra gorda ser amada?

Jojo Todynho e Lucas Souza se casaram no sábado 29/1 - Jour Beni
Jojo Todynho e Lucas Souza se casaram no sábado 29/1 Imagem: Jour Beni

Colunista de Universa

07/02/2022 04h00

Jordana Gleise de Jesus Menezes, a Jojo Todynho, vem sofrendo após o seu casamento com Lucas Souza. Entre as muitas fofocas e falatórios sobre Jojo e Lucas, uma me chamou atenção: ataques que insinuaram, ou disseram explicitamente, que o oficial do Exército só se casou com a cantora por interesse. Isso me atravessou profundamente.

Ora, por que ele estaria casando com Jojo apenas por interesse? Ao considerar isso, as pessoas estão implicitamente dizendo que uma mulher negra e gorda não merece ser amada. Alguns vão dizer "mas, nem pensamos nisso! estamos falando do dinheiro que ela ganhou no reality.". Gente, é sério isso? Por que Lucas, de 21 anos, estudante de graduação, com uma carreira como oficial de Exército pela frente, não se apaixonaria por uma mulher como Jojo, de 24 anos? Pode uma mulher negra e gorda ser amada?

Não é de hoje que me debruço sobre questões relacionadas ao amor. Diferente do senso comum, que acredita em amor romântico, como algo vindo de um além colorido, acredito que amor é também uma construção social. Veja bem, a maneira como vemos o mundo é muito relacionada a como fomos criados, aos valores que fomos ensinados a prezar e, super importante, também, pelos exemplos que temos e acompanhamos durante o nosso crescimento.

Uma das coisas que acho irônicas é o fato de as pessoas sempre atribuírem coisas negativas à criação, ou a falta dela, e as coisas positivas a algo do divino. Tanto os positivos quanto os negativos advém dessa construção social, baseada em pactuações e convenções sociais.

Essa criação, obviamente, não é fruto apenas do ambiente familiar. Quando iniciamos nossa participação no universo escolar, já no jardim de infância, passamos a sofrer influências externas. Na "escolinha", iniciamos nossa jornada para aprender não apenas a ler e a escrever, mas também sobre o convívio e regras em sociedade; noções como divisão e compartilhamento; como escovar bem os dentes e lavar bem as mãos; valores e perspectivas culturais pelas canções e brincadeiras; e, inclusive, coisas que devemos temer e outras que devemos amar, pelas historinhas que nos são contadas. O que quero dizer é que muito do que gostamos é influenciado diretamente por convenções e perspectivas hegemônicas na sociedade. E com o amor não é diferente.

Sou uma mulher, negra e gorda, que entende bastante sobre preterimento no amor porque não atende a nenhum dos padrões estéticos da sociedade. Não correspondo nem ao valor padrão hegemônico em uma sociedade atravessada pelo racismo, que definirá que mulheres brancas, loiras e magras devem ser as amadas e levadas para serem apresentadas à família; nem à ideia hipersexualizada de mulher negra, com corpo violão "da cor do pecado". E isso me marcou profundamente por toda a vida.

A despeito de compreender que o preterimento de mulheres negras passa por muitas outras questões para além do amor romântico, é importante falar sobre um "mercado afetivo", pautado por estereótipos e padrões de quais escolhas os homens devem fazer como parceiras para serem reconhecidas e apresentadas para amigos e familiares e quais escolhas os homens devem considerar como aventuras às escondidas, ou até mesmo a odiar.

Ataques como esse estão gritando em subtexto que Jojo não atende aos padrões de uma mulher que mereça o amor. E isso é gordofóbico, racista e machista, sendo esse último pela dinâmica que impõe que uma mulher não pode ter mais presença profissional e financeira que um homem em uma relação.

Não há meias palavras para os ataques desse tipo que estão sendo direcionados ao casal. A mensagem implícita é que Jojo só serviria para ser um corpo desejado às escondidas, hipersexualizado por memes que exploram o lado de uma mulher fogosa, ao passo que não serviria para ser a parceira e companheira de vida de um homem dentro de padrões estéticos hegemônicos.

Já vivi isso que Jojo vive hoje. Dos poucos parceiros que tive que me "assumiram", todos foram questionados por amigos e até por familiares sobre mim, apresentando algo inventado e suposto para tentar embasar que eu não serviria como escolha afetiva para eles. Hoje, quando ando com o meu "namorido", sempre percebo os olhares, já que ele faz questão que a gente ande de mãos dadas. Por que se incomodam tanto que estou sendo amada?

Já chegamos em um ponto em que não é possível mais tolerar questionamentos como esse. As melhores estratégias, para além de um ativismo crescente de muitas mulheres que têm enfrentado a gordofobia e o racismo afetivo todos os dias nas ruas e nas redes sociais, é devolver o questionamento a essas pessoas: por que te incomoda? E, também, reafirmar esse amor sempre que possível. Não só para fortalecer o casal, não só para responder a essas pessoas, mas principalmente para serem exemplos para muitas outras garotas por aí que, tenho certeza, acreditam que não merecem ser amadas.

E, obviamente, que esse amor não tem que ser como de conto de fadas, porque não é assim para ninguém. Esteja certa que se alguém vende essa imagem é pura vitrine de vidro. Não há relacionamento perfeito. Não há "felizes para sempre", no sentido de não existir conflitos, algumas tensões. O que faz do casal e desse amor algo duradouro são outras coisas, como a parceria e amizade que constroem entre si, os objetivos e sonhos que compartilham, o respeito e admiração que tem um pelo outro. Como já afirmou a pensadora bell hooks: amor é verbo.

A gente pode e vai ser amada sim, queiram ou não essas pessoas. Eu vibrei muito com o enlace de Jojo e Lucas, justamente porque me senti representada. Um casamento festivo, cheio de amor, com uma mulher negra, gorda, determinada, feliz consigo e com sua vida.

A gente incomoda demais quando exala felicidade, porque há um sistema todo que busca deslegitimar nossa alegria, que nos apresenta apenas violência. Quando respondemos com o nosso autocuidado radical, com a concepção de que amor é ação e comunidade é como se fôssemos uma afronta.

Por isso, afirmo sempre minha frase: uma mulher negra feliz é um ato revolucionário. Uma mulher negra e gorda, feliz e amada é a afirmação da liberdade.