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Juliana Borges

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que aprendi com bell hooks sobre o amor

A autora e teórica feminista bell hooks faleceu no último dia 15, aos 69 anos. - Berea College/Bethany Posey ?18
A autora e teórica feminista bell hooks faleceu no último dia 15, aos 69 anos. Imagem: Berea College/Bethany Posey ?18

Colunista de Universa

20/12/2021 04h00

"Toda vez que uma mulher solteira por volta dos quarenta anos introduz na conversa a questão do amor, vem à tona, repetidamente, a suposição, enraizada no pensamento machista, de que ela está 'desesperada' por um homem. Ninguém pensa que ela está apenas intelectualmente interessada no assunto. Ninguém pensa que ela está rigorosamente envolvida numa empreitada filosófica na qual está se aventurando a entender o significado metafísico do amor na vida cotidiana. Não: ela é vista apenas como alguém em busca de uma 'atração fatal'". (bell hooks, em "Tudo sobre o amor: novas perspectivas")

Quando soube que estávamos prestes a ter em mãos a tradução de "Tudo sobre o amor" da escritora e intelectual afro-feminista bell hooks, meu cérebro pensou em seu livro "Killing rage", meu estômago sentiu borboletas e meu coração sorriu. O primeiro, porque bell hooks sempre trabalhou a perspectiva do amor sem deixar de lado a importância do conflito e da tensão. Ou seja, reivindicar a raiva e o amor, para bell hooks, é um compromisso com as nossas humanidades, além de um cotidiano exercício rumo à liberdade.

Meu estômago sentiu borboletas pela empolgação. A maneira como bell hooks trabalha o amor é como ação, não como sentimento ou como o amor romântico. Como a própria afirma "quero saber o significado do amor além do reino da fantasia - além do que imaginamos que possa acontecer".

Meu coração sorriu porque bell hooks compreende um poder transformador no amor, capaz de chacoalhar e implodir estruturas de desvalorização e opressão, capaz de construir horizontes de igualdade a partir do "fazer comunidade".

Na última semana, no dia 15 de dezembro de 2021, bell hooks fez sua passagem. Ao lado de familiares e amigos, conforme divulgado por sua família, fez uma passagem tranquila. Gloria Jean Watkins escreveu mais de 40 livros e teve com uma de suas principais referências para pensar o feminismo negro e a transformação do mundo o professor e escritor Paulo Freire. O nome bell hooks é um pseudônimo tomado de sua bisavó e é escrito em minúscula porque a autora compreendia que sua obra deveria ser mais importante do que seu nome.

Para bell hook, o amor deve ser pensado como uma ação, como verbo. E envolve muito mais do que afeição, mas "carinho, reconhecimento, respeito, compromisso, confiança, honestidade e comunicação aberta". Ou seja, amar é "promover o próprio crescimento espiritual ou o de outra pessoa". Não se trata de um sentimento que pode ser nutrido por uma das partes ou de um sentimento que pode ser exercido sem que o amor seja exercido por nós mesmas para nós mesmas. A autora considerava importante que buscássemos definir o amor para poder exercê-lo:

"Começar por sempre pensar no amor como uma ação, em vez de um sentimento, é uma forma de fazer com que qualquer um que use a palavra dessa maneira automaticamente assuma responsabilidade e comprometimento. (...) Se nos lembrássemos constantemente de que amor é o que o amor faz, não usaríamos a palavra de um jeito que desvaloriza e degrada o seu significado. Quando amamos, expressamos cuidado, afeição, responsabilidade, respeito, compromisso e confiança".

Já que estamos nesse diálogo sobre casamento, acho importante celebrarmos o pensamento e as formulações de uma autora que buscou nos apresentar uma dimensão do amor que seja libertadora e baseada em reconhecimento e companheirismo. Porque, para bell hooks, era preciso viver segundo uma "ética amorosa", em que todos "têm o direito de ser livres, de viver bem e plenamente". O amor não pode ser apego, obsessão, dominação. O amor, a ética amorosa, nos garante coragem, inspiração, nos faz promover mudanças em nós, naqueles que nos relacionamos, em nossas comunidades. E, para isso, precisamos promover consciência, impulsionar olhar crítico sobre nossas ações, ter disposição para aprender sempre. Amar é projetar e construir o comum, afastar-se da ideia de possuir e aproximar-se do compartilhar.

A gente poderia ficar horas e horas escrevendo sobre como bell hooks desenvolve sua compreensão do amor como ação, de uma ética amorosa. Mas eu queria lhe convidar para conhecer essa importante pensadora, que desejava que seus escritos fossem capazes de nos curar, já que o pensamento crítico, a leitura, as palavras, a curavam. Seu pensamento tem norteado muito de minha vida e me curado em muitos momentos. E, nesse momento de luto por sua perda, levo suas palavras de entendimento sobre a morte:

"O amor nos convida a sofrer pelos mortos como um ritual de perda e como celebração. Conforme abrimos nosso coração e falamos sobre o luto, compartilhamos o conhecimento íntimo de nossos mortos, de quem eles eram e como viveram. Nós honramos sua presença nomeando os legados que nos deixaram. Não precisamos conter o luto quando o usamos como meio de intensificar nosso amor pelos que estão morrendo, pelos nossos mortos ou pelos que ainda estão vivos. (...) Ao aprender a amar, aprendemos a aceitar a mudança. Sem mudança, não podemos crescer. Nosso desejo de crescer no espírito e na verdade é como nos posicionamos diante da vida e da morte, prontos para escolher a vida."

Obrigada, bell hooks. Que seu legado viva e ecoe em e por muitas de nós.

Assista ao episódio do podcast Sexoterapia com Juliana Borges de convidada: "Como a pandemia afetou o sexo e os relacionamentos?"