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Isabela Del Monde

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A audácia masculina que defende Saul Klein chamando-o de 'feminista'

Colunista do UOL

31/03/2022 07h15

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Na última terça-feira, Universa e MOV.doc, do UOL, lançaram o documentário "Saul Klein e o Império do Abuso", da diretora Paula Sachetta. Nos três episódios, ouvimos algumas das vítimas de Saul, filho do fundador das Casas Bahia, Samuel Klein, e herdeiro do pai em uma rede de aliciamento de adolescentes e jovens mulheres. Também estão presentes as advogadas feministas envolvidas com o caso, o advogado de Saul e profissionais forenses.

Atualmente, Saul é investigado por favorecimento à prostituição, lesão corporal por violência psíquica, estupro, estupro de vulnerável, organização criminosa e transmissão de doença venérea. Todas as suas vítimas eram meninas pobres e que foram enganadas com propostas de trabalho. As investigações correm em uma delegacia de Barueri e já houve três trocas de delegados responsáveis pela apuração do caso: em um ano e meio, já está na quarta autoridade à frente da investigação.

Das vítimas de Saul, pelo menos uma jovem mulher, que se sabe, cometeu suicídio devido às sequelas das atrocidades que passou na organização criminosa montada para satisfazer única e exclusivamente os desmandos sexuais de um homem. Outras meninas de 19, 20 anos contam, entre lágrimas, que também tentaram o suicídio.

Não é fácil ouvir as vítimas da violência sexual falarem. Mas definitivamente é muito, incomparavelmente muito mais difícil ter vivido o que elas nos revelam no documentário.

Manipulação psicológica, mentiras e controles por agentes de um esquema, lesões internas na vagina devido às unhas longas e afiadas de Saul, infecção por doenças venéreas, privação de sono, estupro anal, coação para uso de álcool e drogas e restrição ao direito de ir e vir e de se comunicar com o mundo externo estão entre as práticas cotidianas da rede criada para atender ao Reizinho, como ele, segundo as vítimas, gosta de ser chamado.

E por mais inacreditável que possa parecer, um amigo de Saul nos conta no documentário que ele continua recebendo quatro, cinco mulheres por fim de semana em sua casa, mesmo com as investigações em curso. O desengajamento moral de alguns homens diante desse esquema é chocante. Não há qualquer reconhecimento dos danos e dores causados às vítimas, mas sim uma defesa de que Saul, o qual ele diz que é muito bom para as "suas meninas", como se elas fossem suas coisas.

Esse mesmo amigo tem, inclusive, a audácia de dizer que a conduta de Saul é, na verdade, feminista, pois ele estaria provendo àquelas meninas pobres uma vida melhor. A misoginia que alguns homens podem sentir contra as mulheres parece mesmo não encontrar limite, uma vez que não há qualquer vergonha na cara em tentar aproximar, ainda que por meio de um discurso sem sentido, as condutas degradantes de Saul com o feminismo. A desfaçatez dessa comparação me fez pular da cadeira quando a ouvi.

Quero dizer a todas às vítimas de Klein, as que estão aqui e as que já nos deixaram, que vocês têm todo meu amor, meu afeto e minha disposição de nunca fingir que a dor de vocês não é comigo. Vocês não têm culpa, vocês foram manipuladas por um homem bilionário, hoje idoso, que abusou da vulnerabilidade socioeconômica e da pouca idade de vocês. Vocês eram meninas ingênuas diante de um homem extremamente poderoso que não parece se importar com mais nada além do seu desejo.

Incontáveis meninas tiveram seus futuros roubados por Saul e sua rede e elas estão longe, infelizmente, de encontrar qualquer reparação ou justiça —algumas delas, inclusive, perderam a medida protetiva que impedia Saul ou seus prepostos de se aproximar delas porque um juiz aceitou que se tratava apenas de um caso de "sugar daddy" —quando um homem se relaciona com meninas mais jovens e lhe dá presentes e dinheiro— mesmo com as incontáveis provas e depoimentos das vítimas.

Convido você, querido leitor e querida leitora, a assistirem a esse documentário. Enquanto cidadãos e cidadãs do mesmo país que as vítimas de Saul, sinto que temos o dever cívico de compartilharmos com elas, ainda que apenas como ouvintes, um pouco do peso do que vivem. Suas vidas foram transformadas para sempre e nós podemos, enquanto sociedade civil, nos mobilizar para que o Judiciário brasileiro não as abandone e responsabilize esse homem.

Caso você esteja sentindo solidão, angústia e ansiedade e perceba ideações suicidas, procure ajuda especializada como o CVV (Centro de Valorização da Vida) e os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil. Além desses serviços, o Mapa Saúde Mental disponibiliza uma lista de atendimentos psicológico e psiquiátrico, gratuitos, em todo o Brasil, online ou presencial.