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Isabela Del Monde

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Botafogo e setor feminino em estádio; isolar mulheres não acaba com assédio

Image Source/Getty Images
Imagem: Image Source/Getty Images

Colunista de Universa

04/11/2021 04h00Atualizada em 05/11/2021 10h28

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O time de futebol Botafogo anunciou que está estudando a criação de um espaço exclusivo para mulheres torcedoras no estádio Nilton Santos como forma de protegê-las do assédio praticado por torcedores homens. Essa ideia não é inédita, como já vimos no vagão rosa, exclusivo para mulheres, no metrô do Rio de Janeiro, e está longe de ser unanimidade.

O principal motivo, na minha opinião, para esse tipo de estratégia dividir opiniões é que ela atinge o sintoma, no caso o assédio, e não a causa, o machismo. E não se resolve qualquer problema quando o foco está apenas nos sintomas. Se a causa não é alterada, veremos os sintomas eclodindo em outros espaços e momentos.

As torcedoras que ficariam no espaço exclusivo durante o jogo não vão deixar de trombar com homens no trajeto ao estádio, na entrada e na saída, nas idas ao banheiro ou em qualquer circulação dentro da arena. Como fica a segurança delas nesses momentos?

Também não é estrategicamente nem tecnicamente correto se fiar na proteção das mulheres pela segregação porque isso será usado contra a mulher que optou por não ficar no gueto, que ousou sair do cercadinho e foi vítima de um assédio. Muitos vão recorrer à falácia do "quem mandou não ficar no espaço exclusivo?" para culpar a vítima pelo assédio sofrido. As mulheres já não foram restritas e reprimidas demais?

O que queremos e precisamos é simples: respeito. E isso se reflete em segurança para sermos mulheres, seres humanas, em qualquer espaço que estivermos sem medo de sermos violadas. Essa estratégia de guetificação, pensada e implementada normalmente por homens, inverte a responsabilidade das coisas e, mais preocupante, naturaliza a violência sexual contra as mulheres.

É como se o clube estivesse nos falando algo como: "Bom, assédio faz parte da natureza e não há nada que possamos fazer para que isso acabe". Assédio e demais violência sexuais são resultados de uma construção social que trata mulheres como objetos sem alma, sem vontade e sem escolha.

Assédio é cultura. E cultura a gente muda sempre que há vontade para isso.

O Botafogo, assim como demais clubes de futebol, empresas e organizações em geral, conta com várias outras estratégias à sua disposição, a começar, por exemplo, pela contratação de pessoas especialistas no assunto.

Enfrentamento ao assédio tem teoria, técnica e experiência por trás e vale a pena investir em quem sabe do assunto.

Além disso, o time poderia investir na educação e sensibilização de seus torcedores homens, na criação de um programa que incentive homens ao respeito, na formação de torcedores homens aliados e multiplicadores, na contratação de equipes de segurança formadas também por mulheres, no treinamento das equipe de segurança para respostas a relatos de violência sexual, no engajamento e envolvimento de todas as pessoas ligada ao time na prevenção do assédio e, até mesmo, pensar em uma parceria de conversa pública sobre o assunto com Felipe Neto, um grande aliado dos direitos humanos que é declaradamente apaixonado pelo time.

A saída não é separar mulheres, como a saída não foi separar judeus nem negros nem qualquer outro grupo social. Essa separação deixa nossas vidas mais inseguras quando nos encontramos com homens, não trata do machismo e da cultura do estupro que são as causas da violência sexual e, ainda, nos passa uma mensagem de que nossa presença é um fardo e não uma alegria. A diversidade de pessoas precisa caminhar lado a lado com respeito e segurança para todas, todos e todes!

Outro lado

A assessoria do time procurou a coluna. Segundo eles: "O Botafogo esclarece que não anunciou a criação de um setor exclusivo para mulheres no Estádio Nilton Santos. Por iniciativa da Secretaria Estadual do Governo do Estado do Rio de Janeiro, há discussão ainda em fase embrionária sobre o tema. Antes de comunicar qualquer medida, o Botafogo vai debater o assunto de forma sólida com representantes da enorme parcela feminina de sua torcida e com a Secretaria de Direitos Humanos, seguindo sua posição intransigente de combate ao assédio e da defesa das mulheres, alvinegras ou não, e sempre com a premissa da construção coletiva, que é um pilar fundamental nesse tema"