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Isabela Del Monde

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Vitória das mulheres: protocolo para julgamento com perspectiva de gênero

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Imagem: Freepik

Colunista do UOL

20/10/2021 04h00

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O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou na terça-feira (19) um documento inédito no Brasil que encheu de alegria e esperança as juristas, como advogadas, promotoras, defensoras públicas e magistradas que lidam, em seu dia a dia, com o direito das mulheres. Trata-se do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero.

O documento, com 132 páginas, detalha conceitos, como sexo, gênero, identidade de gênero e sexualidade e aborda a desigualdade de gênero pela perspectiva interseccional, ou seja, reconhece que há marcadores da diferença, como raça e deficiência física, por exemplo, que se conectam e diferenciam acessos, direitos e privilégios entre as mulheres.

O protocolo ainda reconhece que há uma divisão desigual de trabalhos entre homens e mulheres na sociedade e que essa divisão é meramente fundamentada no gênero e discute com o mito da neutralidade do direito. O documento é absolutamente atualizado em todos os temas contemporâneos, como, por exemplo, assédio, violências baseadas no gênero cometidas na internet, como divulgação não consentida de imagens íntimas, violência obstétrica, stalking, alienação parental, violência política de gênero e assédio sexual no trabalho, apenas para citar alguns.

O protocolo é resultado do trabalho do Grupo de Trabalho (GT) instituído pela Portaria CNJ n. 27, de 02.02.2021, o qual é composto por 21 pessoas, dos quais apenas 3 são homens. Portanto, já é possível afirmar, mais uma vez, como é importante termos mulheres em espaços de poder e de tomada de decisão, porque foi uma maioria de mulheres, com o apoio de homens verdadeiramente alinhados, que veio, pela primeira vez na história brasileira, reconhecer que o gênero é uma estrutura social da qual o Judiciário não pode ficar alheio ou agir como se não existisse. Se não estamos lá, sabemos que não somos protegidas, basta ver a história.

Entre as membras desse GT temos a Corregedora Geral de Justiça, conselheiras do CNJ, advogadas, professoras e juízas, inclusive com representação da Justiça Militar. Eu me sinto absolutamente contente e respeitada ao ver servidoras públicas trabalhando pelo interesse público! Vamos combinar que no Brasil, infelizmente, isso muitas vezes é a exceção e a composição do GT nos permite fazer outra (re)afirmação: ao ocuparem locais no poder público, as mulheres trabalham de verdade!

Segundo consta no próprio protocolo, ele serve "para que os julgamentos que ocorrem nos diversos âmbitos da Justiça possam ser aqueles que realizem o direito à igualdade e à não discriminação de todas as pessoas, de modo que o exercício da função jurisdicional se dê de forma a concretizar um papel de não repetição de estereótipos, de não perpetuação de diferenças, constituindo-se um espaço de rompimento com culturas de discriminação e de preconceitos."

É um bálsamo poder contar um documento do Estado brasileiro que, ao contrário de vários outros que vimos desde 2020, é sustentado pela ciência baseada em evidências e que tem a coragem de nomear as coisas com os nomes que elas têm.

Guia prático

O CNJ regula a atuação do Judiciário em todo o país, porém sem interferir na autonomia funcional de magistradas e magistrados. Portanto, esse protocolo não é uma lei, mas sim um guia teórico e prático para fornecer recursos para que quem julga — ou seja, juízas e juízes, desembargadoras e desembargadores e ministras e ministros das cortes superiores — fazê-lo de forma alinhada e aliada aos debates sobre equidade de gênero. Porém, por exemplo, se houver reprodução de estereótipos em algum julgamento, a advogada da vítima poderá recorrer ao protocolo como forma de pressionar o juiz do caso a rever sua posição.

Deixo os meus parabéns a todas as pessoas que, de qualquer forma, tenham contribuído com o documento, além de meus agradecimentos, pois, como jurista feminista, sempre senti falta de um documento como esse, institucional. E, por fim, deixo minha celebração para mim e todas as juristas feministas do país que pressionam, todos os dias, o Estado brasileiro pelo respeito a todas as meninas e mulheres. Ganhamos!