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Isabela Del Monde

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Violência doméstica: projeto de lei que amplia pontos de apoio tem falhas

Mulher vítima de violência - Nino Carè/ Pixabay
Mulher vítima de violência Imagem: Nino Carè/ Pixabay

Colunista de Universa

08/07/2021 04h00

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No ano passado, popularizou-se, por meio de campanha do Conselho Nacional de Justiça e da Associação dos Magistrados Brasileiros, uma estratégia de ajuda para vítimas de violência doméstica: apresentar-se para a equipe de uma farmácia com um "X" vermelho desenhado na palma da mão como forma de pedido de socorro. Caberia aos funcionários de estabelecimento a decisão do que fazer, mas a recomendação oficial era de que a polícia fosse acionada.

Embora o projeto seja carregado de boas intenções, tenho as minhas críticas. Acredito que apenas chamar a polícia não resolve problemas de violência doméstica. Outro ponto é que a equipe de trabalho de uma farmácia não é formada por especialistas no atendimento de vítimas de violência. Por fim, a medida dissolve a responsabilidade do Estado de garantir políticas públicas de segurança para as mulheres, uma vez que transfere uma atribuição pública às entidades privadas e pessoas leigas.

Ocorre que, em março deste ano, as deputadas Margarete Coelho (PP-PI) e Soraya Santos (PL-RJ) apresentaram um projeto de lei no qual, entra outras alterações de leis, institui o Programa de Cooperação "Sinal Vermelho Contra a Violência Doméstica". O PL estabelece que o "sinal vermelho" constitui uma forma de denúncia, pedido de socorro ou ajuda para mulheres em situação de violência doméstica ou familiar, bem como eles deverão ser recebidos nas farmácias, repartições públicas, portarias de condomínios, hotéis, mercados e similares que firmarem termos de cooperação com o Programa.

Portanto, vimos um PL por meio do qual empresas privadas, em sua maioria, estabelecerão um termo de cooperação com o poder público, isto é, com o Poder Executivo Federal, atualmente ocupado pelo governo de Jair Bolsonaro, para assistir mulheres em situação de violência doméstica.

Em menos de quatro meses, o projeto foi aprovado na Câmara e no Senado. Está apenas aguardando a sanção presidencial para virar lei. Um tempo recorde de tramitação que, pelo menos em mim, levanta suspeitas. Qualquer projeto de lei que estabeleça que as responsabilidades originais do poder público serão passadas para o setor privado, seja por concessão, privatização ou cooperação, deve vir acompanhado de questionamentos quanto à proteção do interesse coletivo e quem se beneficiará da transferência de atribuições.

Ao mesmo tempo, acompanhamos em tempo real a forma como o governo federal, aparentemente, se comporta em suas relações com empresas privadas envolvidas em negociações de interesse público: supostas buscas de vantagens, por meio de corrupção, em detrimento dos interesses da população.

Não estou fazendo acusações, mas destaco pontos que exigem atenção de todas as brasileiras sob risco de termos uma lei esvaziada da capacidade de nos proteger. Além da velocidade de tramitação, destaco a ausência de qualquer menção das contrapartidas entre o governo e as empresas que se dispuserem a fazer parte do Programa, bem como das obrigações das partes. Também não há qualquer menção à formação técnica ou aumento da remuneração dos trabalhadores que receberão essas vítimas — e que deverão atendê-las, coletar seus dados e contatar a polícia com assertividade.

Por fim, ao que tudo indica, o PL não propõe a criação de uma política pública com a devida destinação orçamentária para real enfrentamento da violência contra a mulher. Ao contrário, institucionaliza uma estratégia que, na minha opinião, carrega falhas técnicas.

Podemos estar diante de mais uma manobra populista do atual governo para aparentar que algo está sendo feito, enquanto nada efetivo acontece na direção de nossa proteção.