Opinião

Vitrola, tabuleiro e telefone fixo: dá pra criar os filhos com menos telas?

Passamos de fase aqui em casa. As meninas começaram a ouvir música por conta própria. Quer dizer, começaram a querer ouvir música por conta própria, e eu me dei conta de que, sem acesso a um tablet ou celular nem a uma conta em um aplicativo tocador de músicas, não tem como elas fazerem isso sozinhas.

Quando criança, eu tinha LPs, fitas K7, depois CDs. Na juventude, um iPod. Nos três primeiros, escolhia o que queria ouvir pegando cada um com as mãos. Hoje, vendo a capa de cada um deles, ainda sou capaz de ouvir as músicas tocando na minha cabeça.

Voltando às meninas: vou comprar uma vitrola. Depois da volta do jornal impresso aqui em casa, esse é um segundo passo para a substituição de uma tecnologia que nos parecia incrível, mas que, fica cada vez mais claro, acaba nos distanciando (e as crianças, então, nem se fala?) de muitas experiências.

Mas não estou sozinha nessa. A vontade de menos tecnologia para as meninas tem até nome em inglês: low tech parenting. Basicamente, aquele papo que vira e mexe temos aqui: menos estímulos digitais e mais experiências reais.

Há um novo mercado surgindo na esteira deste desejo: telefones fixos para crianças e jovens têm feito sucesso. São conectados ao wi-fi, mas têm apenas contatos aprovados e a opção de períodos silenciosos. É uma tecnologia que nasce para driblar a tecnologia. Vou aderir. E mais: as vendas de jogos de tabuleiro e de cartas, um mercado que parecia fadado ao desaparecimento com o crescimento do digital, subiram 4% no Brasil - na comparação entre 2017 e 2023, segundo relatório da Abrinq. O dado é o reflexo perfeito do zeitgeist: menos tempo sozinho nas telas, mais tempo entre família e amigos.

Não são só as crianças que estão se beneficiando da desconexão. Uma matéria recente do The Wall Street Journal confirma o que já dá para sentir no ar: os jovens estão se apaixonando por aparelhos de baixa tecnologia. CDs, flip phones (lembra do jogo da cobrinha?) e câmeras digitais voltaram a ser cool para essa turma.

Será que é o início de uma vida mais equilibrada entre os mundos digital e físico para todas as gerações? Torcendo muito para que a resposta seja sim.

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