Opinião

O que é o ultra fast fashion? Poucas coisas são tão nocivas para o planeta

É possível acabar com o fast fashion? Precisamos falar sobre isso. Aliás, precisamos também falar do ultra fast fashion.

Poucas coisas são tão nocivas para o planeta quanto a indústria da moda, a segunda mais poluente do mundo, atrás apenas da petrolífera. Dentro da indústria da moda, uma palavra causa arrepio em muita gente: fast fashion.

Essas megarredes varejistas chegaram ao mercado nos anos 90 para vender baratinho tendências desfiladas por grandes marcas, colocando centenas de novos itens por semana nas lojas, graças a uma extensa rede de fornecedores e fabricantes - daí o "fast" no nome. São milhões de peças produzidas em grande escala e a baixo custo para que a roupa chegue rápido e com um preço acessível ao consumidor. A chegada da sueca H&M ao Brasil, prevista para o segundo semestre deste ano, tá aí para comprovar que o mercado segue aquecido por aqui.

Mas foi na própria fórmula do fast fashion que começaram os problemas. Muitas vezes, as peças são fabricadas em lugares em que a mão de obra é mais barata, longe do país de origem desses grupos. A manufatura acontece em países pobres, onde condições dignas de trabalho nem sempre são respeitadas nem fiscalizadas.

Você deve se lembrar, por exemplo, do incêndio no Rana Plaza, em Bangladesh, que abrigava fábricas de roupas que produziam para fast fashions como a irlandesa Primark, matando mais de mil pessoas e ferindo 2.000, em 2013. Na época, o episódio foi considerado pela Anistia Internacional "o exemplo recente mais chocante de abuso de direitos humanos relacionado a empresas".

Com o consumidor mais consciente e uma fiscalização nascendo, esse cenário começou a mudar. Mas esse era só um dos problemas a serem solucionados. Essa moda rápida também tem pouco de sustentável. A qualidade e o custo baixos e tendências cada vez mais passageiras são incentivos para o rápido descarte de roupas. Há estimativas que sugerem que as peças de fast fashion são rejeitadas após apenas sete utilizações. Pode reparar: provavelmente, seus pais têm uma relação mais duradoura com o guarda-roupa do que você, que vem acumulando e descartando mais peças do que eles em meio ao fenômeno do fast fashion.

Há também as sobras e descartes da própria indústria têxtil. Cerca de 30 mil toneladas de peças não vendidas, devolvidas ou com defeitos são descartadas anualmente no Deserto do Atacama, no Chile. Você deve ter sido impactado pelas imagens dos lixões de roupas a céu aberto. Mas há boa notícia - se é que dá para falar em boa notícia: um projeto de e-commerce que coleta, higieniza e revende essas peças. No momento, o Recommerce Atacama está em pausa para reestruturação, depois do sucesso da iniciativa.

E, mesmo com tantas questões, as redes de fast fashion têm um público fiel, justamente por democratizar as tendências de moda a preços bastante acessíveis. Mas, com o consumidor mais consciente, órgãos reguladores entrando na conversa e em tempos de urgência climática, muitos dos varejistas se viram forçados a implementar mudanças.

Entre os objetivos divulgados pela Zara a serem cumpridos até 2040 estão reduzir a pegada de carbono em pelo menos 90% em relação a 2018 e o consumo de água em 25% na cadeia de suprimentos, além de utilizar apenas fibras têxteis de menor impacto. Já a H&M investe em descarbonizar sua cadeia de suprimentos, migrar para materiais reciclados ou de origem sustentável e minimizar resíduos e poluição de sua produção.

Por aqui, os fast fashion nacionais também vêm aprimorando seus processos. Entre os objetivos divulgados até 2030 da C&A Brasil está o uso de 80% de matéria-prima sustentável e a substituição de 50% do plástico de uso único por alternativas sustentáveis. A Renner conta com 100% de seus fornecedores com certificação socioambiental, produzindo de forma responsável e com 70% de sua produção feita no Brasil. A Riachuelo terceira aderiu ao pacto ambiental e uma série de iniciativas globais.

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Mas, quando parecia que estávamos começando a traçar um caminho mais responsável, chegaram ao mercado o que estamos chamando de redes de ultra fast fashion. São marcas como a chinesa Shein, capazes de incluir uma média de 10 mil (!) novas peças por dia em suas lojas online, e enviar mais de 1 milhão de remessas para o mundo todo, também diariamente.

São números alarmantes, que só aumentam pela mesma lógica citada anteriormente: tendências altamente desejadas, preços ainda mais baixos (vestidos a R$ 15, por exemplo, que até o primeiro semestre do ano passado não pagavam o imposto de importação de 20%, o que ficou conhecido como "taxa das blusinhas", dificultando a concorrência por parte dos varejistas nacionais). Há, ainda, uma nova camada de apelo, bastante assertiva: a oferta de milhares de peças para corpos gordos, o que raríssimas marcas fazem com tanto sucesso.

E o horror voltou à tona: ressurgiram denúncias das duras condições de trabalho de funcionários de fábricas que produzem para a Shein na China, em jornadas que chegam a 12 horas por dia, sem intervalos, seis dias por semana. Foi notícia ainda a presença de trabalho infantil em sua cadeia de suprimentos.

A gente não precisa de um estudo para comprovar que importar uma única blusinha da China, que vai chegar por aqui de avião, terá um custo ambiental muito maior do que outra produzida e adquirida no Brasil. Mas vamos aos dados: em 2023, a Shein gerou mais emissões que aquecem o planeta do que qualquer uma das grandes empresas da moda. Ultrapassou a Inditex (responsável pela Zara) e gerou o dobro da Nike, H&M e LVMH. A pegada de carbono da gigante chinesa quase triplicou de 2021 para 2023, um aumento que ultrapassou até mesmo a impressionante taxa de crescimento de vendas da marca.

Assim como a Shein, outras marcas de ultra fast fashion, como Temu e Cider, estão apenas começando essa jornada. E novos nomes devem surgir em breve.

Sobre minha pergunta inicial, não, o fast fashion não vai acabar tão cedo. E nem precisará, se for capaz de seguir esse caminho que começa a ser trilhado, até, quem sabe, chegar a 100% de transparência na produção e de comprometimento com o meio ambiente. Precisamos que essas adaptações façam parte de um processo de transição e aprimoramento constante, com metas claras e o cumprimento delas. Que não seja apenas marketing passageiro. Cabe a nós, consumidores, uma boa dose de responsabilidade na hora de consumir e, sempre, cobrar essas ações de nossas marcas preferidas. Isso tem efeito. Não é fast, mas valerá a pena.

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