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Fabi Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Eu, uma 'cadelinha de boate': por que a mulher livre incomoda tanto?

"As mulheres que exploram o próprio desejo e a sexualidade livremente ainda são vistas como inadequadas, sujas. Até quando?" - iStock
'As mulheres que exploram o próprio desejo e a sexualidade livremente ainda são vistas como inadequadas, sujas. Até quando?' Imagem: iStock

Colunista de Universa

20/12/2021 04h00

Tive um namoradinho na adolescência. Não deveria, mas vou omitir o nome da criatura. Vou escolher chamá-lo de Mícaro. Pronto. Acho um codinome bem apropriado.

Comecei a ficar com Mícaro quando tinha uns 16, 17 anos, e nosso lance era tipo um namorico. Tava a fim dele, mas também tava a fim de mim e dos outros. Propus que tentássemos um lance não monogâmico. Tô insistindo no "lance" porque não se tratava de um relacionamento formal, um namoro oficial. E, ainda que fosse, nada justifica o que se segue. A princípio, ele topou e seguimos.

Numa dessas, um "outro lance" rolou comigo. Um dia, num bar, apareceu um bonitão no meu caminho: o Alessandro. Acho que foi um dos caras mais bonitos com quem já fiquei... Alessandro riu pra mim, ri de volta. Além de lindo, ele era engraçado, inteligente e boa onda. Iniciamos uma daquelas conversinhas frouxas de bar e seguimos bebendo. Por fim, passei o fim de semana na casa do Alessandro, que, além de tudo, era muito criativo e tinha uma pegada boa.

O lance com Mícaro acabou miando e seguimos caminhos distintos.

Por que a mulher livre incomoda tanto?

Numa bela noite, tava com amigos num bar, quando Mícaro chega, se curva na altura dos meus ouvidos e sussurra entre dentes: "Você é uma cadelinha de boate". Não lembro o que respondi. Sempre tive dificuldades em devolver de pronto algo contundente quando o golpe vem assim, sem aviso, sem ensejo ou contexto que o justifique.

Acho que minha primeira reação foi de surpresa ao receber aquela manifestação de ódio. Pela naturalidade com a qual aquele cara me agrediu, como se fosse permitido mesmo. A gente nunca tinha estabelecido uma relação séria, ambos estávamos curtindo o momento, enquanto estivemos juntos. Mas parece que a mulher ser dona de si e "se dar bem primeiro" fere mais do que uma punhalada.

Isso foi há mais de vinte anos. E, sim, casos como esse ainda acontecem aos borbotões. Gente (normalmente homens) que se sente muito à vontade ofendendo mulheres com expressões como biscate, vagabunda, piranha, puta e tantas outras.

O que essas ofensas têm em comum? Quem são as biscates e as piranhas? Como vivem, o que fazem? E, o principal, por que incomodam tanto? O que pode estar por trás desse rechaço?

Well, por acaso, é dado às mulheres o direito de explorar o próprio desejo? Na cabeça dessas pessoas, é claro que não. Imagine, então, explorar a sexualidade, esse grande tabu da civilização, fonte de prazeres e traumas.

Não, as mulheres que exploram o próprio desejo e a sexualidade livremente ainda são vistas como inadequadas, sujas. Liberdade sexual só vale pros caras? Quando mergulham profunda e profusamente na sexualidade, são garanhões e exaltam orgulhosos suas conquistas. Já as minas são taxadas de cadelas. Em que ano estamos?

Pois bem, saibam que somos muitas e nossa egrégora aumenta a cada dia. Falamos e estudamos muito sobre a sexualidade. Muitas vagabas prontas pra muito prazer. As cadelinhas estão na pista e em chamas! Tão preparados?

PS: Mícaro, só para você saber: o Alessandro era muito gostoso e trepamos o fim de semana todo. Pena que pra você não deu, né?