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Fabi Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Em Cannes, nada mudou: é preciso ser magra para ser glamurosa?

Bella Hadid no Festival de Cannes deste ano - Getty Images
Bella Hadid no Festival de Cannes deste ano Imagem: Getty Images

Colunista de Universa

13/07/2021 04h00

O tão esperado momento de desmascarar o glamour finalmente rolou. Vamos falar sobre a primeira grande festa, do primeiro grande tapete vermelho depois do surgimento da Covid-19?

É claro que todos, convidados e público, estavam esperando esse evento de outro modo, com outras expectativas. A gente vem falando e especulando a respeito disso desde que percebemos que a pandemia não era apenas uma gripezinha, e que iria exigir o confinamento de quem tivesse condições de cumpri-lo.

Como serão as tendências (estéticas mesmo, porque as comportamentais e existências deixamos para outra hora) pós-Covid?

"Ah, as pessoas se acostumaram com pijamas e pantufas, com o puro conforto". Quem pôde ficar em casa, se entregou ao consolo das roupas, da comida, dos drinks... E muita gente, naturalmente, viu o corpo inflar (guarde essa informação).

Então, a grande tendência seria o descomplicado? O conforto? Looks e olhares amorosos e ternos? As imagens do tapete vermelho trariam o reflexo de quem se acomodou quarentenado? Mostraria esse "novo normal" de quem manteve o visual mais natural em casa?

Havia também outra corrente especulativa, que previa o glamour extremo, a montação. "Quero chegar na festa dentro de um casulo de glitter" ou "Vou querer usar meus looks mais complexos e performáticos, quero muito brilho e profusão de elementos, para exorcizar essa espécie de normcore a que fomos relegados", diziam.

Até que, na última terça-feira, 6 de julho, começou o Festival de Cinema de Cannes. Fazia tempo que a gente não acompanhava as "festas da corte" e as pessoas estavam animadas para ver e serem vistas.

Os tapetes vermelhos sempre funcionaram como grandes vetores de tendências, especialmente as estéticas. Pensando nisso, te convido a refletir sobre quais imagens relacionadas às mulheres mais te impactaram na última semana. O que o algoritmo andou te entregando por aí?

Por aqui, as imagens de Bella Hadid e Marina Ruy Barbosa bombaram. Vale uma "pesquisa fria" nos sites de busca para ver o que estou falando. E o que essas imagens têm em comum?

Eu não gosto de viver apenas dentro da minha cabeça, com essas ideias que brotam aqui. Portanto, fui às enquetes - com mulheres diversas - de diferentes classes, raças, idades e meios. Mostrei as duas fotos, acompanhadas das seguintes perguntas:

1. Qual a primeira coisa que lhe vem à cabeça?
2. Você pensa em si? Se sim, de que forma?

Temos respostas diferentes. Claro, de diferentes perspectivas. Mas também temos algo em comum. A maioria aponta para o corpo magro. Talvez excessivamente magro? "Ah, tem pessoas que são naturalmente magras, não enche. Para de implicar". Tem, sim. Não fui pesquisar como era o corpo de ambas anos atrás, mas posso quase assinar um documento afirmando que não eram tão magras.

Por que você está se metendo nisso? Por que não deixa as mulheres em paz, sendo o que querem ser: magras, gordas, gostosas?

Não estou me metendo, não. Vim apenas levantar o questionamento sobre as fotos que mais circularam. Sobre como eram, se tinham elementos em comum e como elas podem afetar as pessoas expostas a elas. Especialmente mulheres. Especialmente mulheres jovens.

Na verdade, a resposta mais comum foi sobre a magreza e o glamour. Mas também recebi observações acerca da "delicadeza" e sobre as duas serem jovens.

Em seguida, me falaram sobre estarem muito distantes daquelas imagens. Sobre um certo sentimento de inadequação que acompanha. Ah, é normal, não é, Fabi? É um mundo de sonhos. Precisa estar distante, precisa ser inalcançável de alguma forma. Hm... Que sonho é esse, que ainda hoje, em 2021, continua a ser vendido como ideal?

Curioso também o fato dos vestidos serem absolutamente colados ao corpo magro, enfatizando ao máximo essa silhueta que não come. E as poses? Outro elemento importante para se analisar. Sabia que as pessoas ensaiam essas poses de tapete vermelho? O que estamos mostrando? A imagem de alguém que não se diverte, não vive. Um corpo objetificado.

Algumas pessoas observaram o rigor. Os cabelos estão sob controle, as unhas são aplicadas, postas ali. O vestido precisa ser arrumado antes da foto. Tal qual se faz com uma boneca. Não há espaço para movimento, para liberdade.

Para mim, os holofotes parecem estar SEMPRE voltados para o mesmo tipo de visual, desde antes da pandemia, com nada de novidade no quase-pós-pandemia.

O diferente e o normal não têm vez, sendo relegados ao segundo escalão, ao espaço das notinhas de rodapé

Para finalizar a provocação, queria deixar uma outra imagem que uma amiga mandou como sendo a que mais a impactou nos últimos tempos: "A Helen Mirren doidona na passarela". Fiquei pensando como seria bom, ou melhor, como seria importante que mais imagens assim circulassem como ideal. Ela parece livrona, felizona. Glamourosa, sim. Linda, sim. Mas parece uma mulher normal, uma mulher possível. Reflitam.