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Débora Miranda

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Naomi Osaka: a coragem de uma estrela do esporte em mostrar vulnerabilidade

Naomi Osaka na primeira rodada de Roland Garros em 2021 - FFT
Naomi Osaka na primeira rodada de Roland Garros em 2021 Imagem: FFT

Colunista do UOL

06/06/2021 04h00

Vinte e três anos de idade. A atleta mulher mais bem paga do mundo. Uma das tenistas mais vitoriosas da atualidade. Nada disso, no entanto, evitou que Naomi Osaka enfrentasse problemas psicológicos. Ou talvez tudo isso tenha levado essa grande estrela do tênis a sofrer com depressão e ansiedade.

Osaka surpreendeu o mundo ao anunciar, na última semana, que estava abandonando Roland Garros, um dos torneios mais importantes da modalidade. A japonesa, atual número 2 do mundo, começou dizendo que não atenderia a imprensa —o que é obrigatório no campeonato. Foi multada em US$ 15 mil.

Na sequência, divulgou que não mais competiria, embora tivesse vencido sua primeira partida no Grand Slam.

"A verdade é que eu tenho sofrido longos períodos de depressão desde o US Open de 2018, e tive muita dificuldade em lidar com isso. Quem me conhece sabe que sou introvertida, e todos que me viram em torneios notam que eu geralmente estou com fones de ouvido porque eles ajudam a aplacar minha ansiedade mental", afirmou em uma postagem em seu Instagram.

A tenista ainda completou dizendo que não é boa em falar publicamente e que ter de atender a imprensa sempre é, para ela, motivo de ansiedade. "Fico nervosa."

"Aqui em Paris eu já estava me sentindo vulnerável e ansiosa e, por isso, pensei que seria melhor me cuidar."

A vulnerabilidade que Osaka não teve receio de compartilhar com o mundo mostra, no entanto, que a jovem tenista tem coragem de sobra. Não é comum que atletas exponham questões relacionadas a saúde mental. Embora seja perceptível uma mudança ainda lenta com relação a isso, o tema continua sendo tabu no meio do esporte.

"Falar sobre saúde mental no esporte ainda é bastante raro, porque acarreta falar de fragilidades e, muitas vezes, isso ainda não é bem-visto. A psicologia do esporte é um ramo novo, e ainda enfrenta preconceitos. Isso está mudando um pouco, está havendo uma conscientização dos treinadores, dos atletas e das equipes de que é muito importante ter esse apoio. As pessoas têm problemas, mas elas não falam, achando que isso pode ter uma conotação ruim", explica Aparicio Meneses, psicólogo do esporte, especialista em jogadores de tênis.

A iniciativa da tenista japonesa ganhou apoio de muita gente. A lenda do tênis Billie Jean King disse: "É incriveImente corajoso que Naomi Osaka tenha revelado sua verdade sobre a luta contra a depressão. Agora, o mais importante é que demos a ela o espaço e o tempo de que precisa. Desejamos que fique bem."

A tenista brasileira Bia Haddad também elogiou a iniciativa de Osaka. "Ela está sendo corajosa, um exemplo. Primeiro de conseguir falar sobre isso e segundo por acabar representando muitas outras pessoas que já passaram ou estão passando por situação semelhante. É um momento delicado, em que ela deve cuidar de si mesma. Não é sobre tênis, sobre ganhar, sobre perder. É sobre a vida dela."

É uma vida solitária

A percepção de que a carreira no tênis é feita de luxo e privilégios não é totalmente equivocada. Mas nem só disso vive o esportista de alto rendimento. E, quanto mais vitórias, mais expectativa, mais pressão e mais cobrança.

Bia Haddad Maia no WTA de Acapulco em 2019 - Getty Images - Getty Images
A tenista brasileira Bia Haddad
Imagem: Getty Images

"A vida de tenista, por mais que sempre vejam a gente viajando para os melhores lugares do mundo, é uma vida muito solitária. Desde os 12, 13 anos passando meses fora de casa. Você abre mão da sua família, dos seus amigos. Se sente afastado. E tudo isso não é fácil. É difícil segurar a barra sozinha", diz Bia.

A tenista Luisa Stefani define a carreira de tenista como um "trabalho de 24 horas por dia, sete dias por semana". "Envolve muita coisa, não é só ir na quadra jogar. Há aspectos pessoais, físicos, psicológicos, pressão, expectativa por resultados, não atingir resultados ou atingir resultados e querer mais. Tem a rotina de treinos. Além disso, tudo o que você faz fora da quadra afeta dentro da quadra. Então, por mais que seja o trabalho dos sonhos, às vezes pega no mental. E é importante estar de olho nisso e se preocupar com o próprio bem-estar."

E ela ressalta: "Temos que falar mais abertamente sobre saúde mental, porque é importante para todo o mundo. E para os atletas também".

De fato, Meneses afirma que tem percebido uma atenção maior ao tema, especialmente no mundo do tênis, por ser um esporte individual, no qual o atleta é muito exigido psicologicamente também durante o jogo.

Segundo ele, numa partida, os atletas passam cerca de 15% do tempo em ação de fato, rebatendo bolas. O resto do tempo estão entre jogadas ou em intervalos. "É muito importante o trabalho mental para dominar essa parte cognitiva, os pensamentos, a crença, a visão que o atleta tem do outro jogador e de si mesmo."

Ele vê a decisão de Osaka, em falar abertamente sobre o assunto, como um movimento que deve abrir portas para a psicologia do esporte e uma forma de dizer que é importante cuidar da saúde mental. Importante para todos, mesmo —e talvez especialmente— para os campeões. "O tênis é um esporte muito solitário e em que o atleta é submetido a grande pressão."

Bia concorda e vai além. "Não é sobre vencer, porque ela vence. Não é sobre dinheiro, porque ela tem. É sobre ser humano. É sobre aquela menina, aquela mulher, que está ali, passando por um momento difícil. Que quer ser feliz e, provavelmente, não está se encontrando."