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Débora Miranda

REPORTAGEM

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Nadine Basttos sobre críticas: 'Lidar com paixão do torcedor não é simples'

A comentarista de arbitragem Nadine Basttos - Beatriz Nadler/SBT
A comentarista de arbitragem Nadine Basttos Imagem: Beatriz Nadler/SBT

Colunista do UOL

16/05/2021 04h00

Primeira mulher a comentar arbitragem na TV brasileira, Nadine Basttos é apaixonada por futebol desde pequena. Virar árbitra, no entanto, foi um acaso. Que acabou transformando tudo.

Realizou sonhos, como o de atuar em jogos importantes da série A do Brasileiro, fez parte do quadro de árbitros da Fifa e se aposentou em um jogo emocionante da seleção feminina.

Mas, se discutir futebol no Brasil é sempre difícil, experimente ser mulher e opinar sobre lances polêmicos. "Muitas vezes, a fala da comentarista mulher é a mesma do comentarista homem, porém, a repercussão maior é sobre a fala da mulher", destaca ela, que decidiu sair do Twitter porque "é uma rede em que as pessoas estão cada vez mais agressivas".

Apesar disso, mantém a comunicação com os fãs de futebol pelo Instagram e diz que não se importa em esclarecer dúvidas e conversar. Mas alerta: "Lidar com a paixão do torcedor não é simples".

Nesta entrevista, Nadine relembra momentos marcantes de sua carreira, fala do machismo que ainda existe no futebol e conta sobre a decisão de trocar a Globo pelo SBT, com quem assinou contrato no final de abril.

UOL - De onde vem o seu amor pelo futebol e o que te motivou a fazer o curso de arbitragem?

Nadine Basttos - A minha paixão pelo futebol começou na infância. Mas eu não pensava em ser árbitra, isso nunca tinha passado pela minha cabeça. Foi uma amiga que me convidou para o curso. Ela era a única mulher inscrita, me perguntou se eu queria fazer com ela e acabei aceitando.

UOL - Na época em que você começou o curso, qual era o seu sonho? Pode dizer que conquistou?

Meu sonho era fazer parte do quadro nacional de árbitros e trabalhar em jogos importantes da série A do Campeonato Brasileiro. Realizei esse sonho e ainda tive tempo de realizar outros que vieram depois, como fazer parte do quadro da Fifa.

UOL - Quais foram as maiores dificuldades que encontrou nessa trajetória?

Não posso deixar de falar das dificuldades que uma mulher encontra quando está num meio em que o predomínio é de homens. Ainda existem pessoas que não acreditam na nossa capacidade por causa do gênero. Pessoas que vão tentar nos diminuir e nos fazer desistir.

UOL - Quais os momentos que você considera inesquecíveis em sua carreira?

A estreia no profissional foi inesquecível! A minha ansiedade era tão grande que não dormi no dia anterior, frio na barriga, batimento acelerado. Outro momento inesquecível foi o primeiro jogo da final da Copa do Brasil 2016. Foi importante para a minha carreira e acredito que importante também para a arbitragem feminina. Ter a presença de uma mulher na final de uma das competições mais importantes do país é uma conquista coletiva.

UOL - Por que decidiu se aposentar e quais memórias guarda daquele último jogo, quando assumiu como árbitra principal e ganhou a camisa da Marta?

Toda vez que eu me lembro desse dia meus olhos se enchem de lágrimas. É uma mistura de sentimentos que até hoje eu não consigo descrever. Quando a árbitra Débora Cecília me entregou o apito para eu finalizar o jogo, um filme passou na minha cabeça. Receber a camisa da seleção autografada por todas as jogadoras da mão da rainha do futebol é uma lembrança inesquecível.

UOL - Você foi a primeira mulher comentarista de arbitragem na TV. Como tem sido essa experiência até aqui?

É uma grande responsabilidade. De certa forma, é abrir um espaço para que outras também possam realizar essa função, e hoje fico feliz porque isso está acontecendo. Não sou mais a única.

UOL - Você vê um tratamento diferente com relação às suas opiniões e as opiniões dadas por comentaristas homens?

Acredito que vivemos um momento de transformação, mas o machismo ainda existe. Muitas vezes, a fala da comentarista mulher é a mesma do comentarista homem, porém, a repercussão maior é sobre a fala da mulher.

UOL - No Brasil, a principal dificuldade em ser comentarista de arbitragem é que todo mundo acha que sabe tudo de futebol e de regras? Como é ter de lidar com o fanatismo de torcedor?

O futebol é um esporte que envolve a paixão, e acredito que isso o torna especial. As pessoas gostam de comentar, principalmente em relação a lances polêmicos, o que é natural. Porém, o futebol vem sofrendo alterações significativas em relação às regras do jogo que precisam cada vez mais ser esclarecidas ao público. Sempre que eu consigo, respondo com o maior prazer as dúvidas de quem me procura. Mas lidar com a paixão do torcedor não é simples.

UOL - Queria que você falasse da sua relação com homens árbitros, quando atuava em campo, e hoje com os homens jornalistas/narradores/comentaristas. Os contextos são muito diferentes?

Não acredito que o contexto seja diferente. Na minha experiência, pude presenciar momentos em que a minha presença causava um certo incômodo em alguns colegas homens por acharem que ali não era lugar para mulher. Isso eu falo tanto da época em que eu era árbitra quanto de agora, como comentarista de arbitragem. Alguns precisavam de tempo para me conhecer e acreditar no meu trabalho. Outros podem ter o tempo que for que nunca irão acreditar. Mas também tem aqueles que me motivam, e eu sempre dei valor para essas pessoas.

UOL - O que motivou sua decisão de trocar de emissora e quais as expectativas para esse novo projeto do SBT?

Eu aceitei a proposta do SBT porque transmitir as principais competições do futebol na TV aberta e ter uma mulher como referência na arbitragem dessas transmissões é uma grande conquista. Sinto-me honrada pelo meu nome ter sido escolhido para representar esse momento numa grande emissora.