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Débora Miranda

Apresentadora da Globo: 'Sou mãe, trabalho e tenho um câncer para curar'

Alice Bastos Neves, que apresenta o "Globo Esporte" no Rio Grande do Sul - divulgação
Alice Bastos Neves, que apresenta o "Globo Esporte" no Rio Grande do Sul Imagem: divulgação

Colunista do UOL

03/10/2020 04h00

Ficar careca foi uma preocupação, sim. Alice Bastos Neves, apresentadora do "Globo Esporte" no Rio Grande do Sul (transmitido pela afiliada RBS), foi diagnosticada com câncer de mama em janeiro e, uma semana depois, já estava em uma loja de perucas.

"Fiz isso por medo de como seria ficar careca —mesmo antes de ter certeza se precisaria fazer quimioterapia. Eu tinha o desejo de continuar trabalhando e achava que a peruca me ajudaria. Realmente me ajudou muito, foi importante ter usado. Até para ir aos poucos me acostumando com esse novo visual", conta.

Mas chegou outubro e, com ele, a campanha Outubro Rosa, de prevenção ao câncer de mama. Foi então que Alice resolveu deixar a peruca para trás e aparecer na TV careca.

"A equipe do programa tradicionalmente se dedica a vários temas sociais. Pensamos que deveríamos fazer algo pelo Outubro Rosa e criamos uma série de reportagens chamada 'Vitórias' em que conversamos com mulheres que usaram o esporte e a atividade física como ferramentas para passar melhor pelo processo do diagnóstico e de tratamento do câncer de mama."

Alice Bastos Neves apresenta o "Globo Esporte" no Rio Grande do Sul - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Alice Bastos Neves apresenta o "Globo Esporte" no Rio Grande do Sul
Imagem: Reprodução/Twitter

Com a estreia da série, veio a decisão de abandonar a peruca. "Eu já não estava usando no meu dia a dia, nas redes sociais já aparecia sem. [Na TV] Fiquei obviamente insegura, mas desde o início entendi que podia usar a minha imagem de maneira positiva, no sentido de encorajar mulheres, a autoestima delas e também quebrar estereótipos. Foi bem importante para mim."

A imagem no espelho

Embora ficar careca fosse uma preocupação inicialmente, Alice conta que o momento de raspar o cabelo acabou não sendo tenso.

Ao contrário, foi um momento muito alegre, de diversão. Os primeiros momentos em que eu me vi careca no espelho foram bem estranhos, mas depois eu fui me acostumando. E até gostando da carequinha. Quando perdi os cílios e as sobrancelhas foi mais difícil de encarar. Nesses momentos, eu usava a maquiagem para me ajudar, para me sentir melhor e mais confortável com a minha imagem.

Alice se mudou para a casa dos pais com o filho de 5 anos durante o tratamento —que ocorreu na pandemia. Foi a mãe a responsável por raspar sua cabeça. O pai ficou encarregado de ir varrendo conforme os cabelos caíam. O filho acompanhou tudo de perto, e o irmão, a distância, raspou a cabeça com ela. A apresentadora falou do episódio em um post emocionante do Instagram.

Uma pinta vermelha do lado direito, outra preta do esquerdo, e uma mancha no topo da cabeça. A gente passa a vida se olhando, mas pode levar mais e três décadas para descobrir, ainda, novidades no próprio corpo. Os meus achados recentes sempre estiveram encobertos. Pelos cabelos. Quando eu imaginava uma mulher raspando a cabeça, logo pensava na Carolina Dieckman chorando em ?Laços de família?. Pesado. Triste. Aquela trilha dramática. No meu caso não tinha música. E sim, conversa, expectativa, risada. Meu filho brincava. Minha mãe empunhava tesoura e barbeador elétrico. Meu pai atacava com vassoura e pá. E um telefone colocava meu irmão, que mora na França, junto com a gente. As tesouradas começaram. E meu cabelo, que nunca ficou mais curto do que o ombro, foi indo embora. De frente pro espelho eu acompanhava as diferentes versões mudando rapidamente. Aí veio a primeira passada de máquina. O primeiro trilho de carequice. Nesse instante, meu irmão, do outro lado do oceano, pegou um barbeador e passou também na própria cabeça. Paro tudo! Ele não estava fazendo aquilo... Sim, estava. Se eu ia ficar careca, ele ia ficar junto comigo. Fomos raspando ao mesmo tempo, em meio a lágrimas. Mais de felicidade do que de tristeza. Alegria por estarmos vivos e podermos fazer aquilo. Juntos. Mesmo distantes. Quando soube que faria quimioterapia, pensei imediatamente no cabelo. Ouvi ?isso é o de menos?, ?cabelo cresce?, e tantas outras justas tentativas de amenizar o sofrimento. Mas é difícil. Tem a estética, o não se reconhecer. Tem o fato de ser justamente a careca que escancara a doença. Essa carequice que revela, de pintinhas à sentimentos, e que materializa fisicamente a nossa versão mais frágil. Quando me senti frágil, meu irmão estava lá. Mostrando que fragilidade é humanidade. Que a gente pode sempre se colocar no lugar do outro. E que pode, e deve, ser leve. Como ele é. Esse cara que hoje completa mais um ano de vida. E que eu espero que inicie esse ciclo ainda melhor e mais forte, como o cabelo dele que já cresceu. Novinho. Cheio de vida. Tu me transforma, Felipe. Me humaniza. Me inspira. Me faz querer renascer sempre. Obrigada. Te amo. Feliz aniversário.

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O pequeno foi quem mais gostou do novo "corte de cabelo" da mãe. "Meu filho tem 5 anos, ele entende o que está acontecendo na medida em que eu consigo explicar a ele. Como sabia que passaria por uma mudança física bem importante, disse que precisaria passar por um tratamento. Ele ficou completamente apaixonado pela careca."

Faltam seis sessões de radioterapia para Alice, e ela conta que o menino está associando o fim do tratamento ao fim da pandemia. "Ele acha que quando acabar o tratamento vai ter acabado o corona, como ele diz [risos]. Ele me disse: 'O seu cabelo vai começar a crescer, mas eu queria que tu ficasse carequinha'. Tudo aconteceu com muita leveza, com muita tranquilidade."

Curada, sem dúvida

Alice nunca quis que o câncer dominasse sua vida. Decidiu, portanto, que encararia a doença com otimismo.

O alto-astral e a positividade me acompanham na vida. É o meu jeito de ser, e não seria diferente após esse diagnóstico. Entendi que o câncer não tomaria conta de tudo, que ele seria mais uma etapa da minha vida. Eu sou mãe, eu trabalho, eu tenho os meus afazeres e eu tenho um câncer para curar. Que seria curado. Eu nunca tive dúvida disso, eu nunca questionei, eu nunca imaginei que eu iria morrer de câncer. Eu sabia que ia passar.

Apesar disso, claro, enfrentou momentos difíceis. Após a cirurgia, os médicos decidiram que ela teria de passar pela quimioterapia e também pela radioterapia.

"Eu fiz quatro quimioterapias vermelhas e 12 brancas. A vermelha é a que tem mais efeito colateral, apesar de que os remédios estão superavançados. Eu tinha medo de sentir muito enjoo. Mas ela tem uma série de efeitos estranhos e diferentes. O gosto das coisas muda, a água era desconfortável para mim, eu não gostava do gosto da água. E teve alguns momentos de muito pouca energia. De eu me levantar, caminhar até a cozinha e ficar cansada de cortar uma fruta para o meu filho."

A família foi o que motivou Alice a suportar o tratamento com força e pensamento positivo.

"Nesses momentos de queda de energia, por exemplo, algumas vezes eu me vi chorando —coisa que eu não queria que acontecesse. É difícil, sabe? O tempo todo eu estava dividindo a casa com meus pais. Hoje sou mãe e entendo que ver um filho doente, vulnerável, é muito difícil. Imaginar que a minha mãe e o meu pai estavam sofrendo por me ver naquela situação era muito delicado. Então, o fortalecimento também veio por isso. Eu sentia o tempo todo que eu precisava estar bem. Por eles e por mim."

Outubro Rosa

Alice conta que é ligada à campanha de prevenção e conscientização do câncer de mama há tempos e que já costumava participar da Caminhada das Vitoriosas, que acontece no mês de outubro, reunindo milhares de mulheres, algumas ainda em tratamento, outras já curadas.

Em nenhum momento eu me senti diferente daquelas mulheres, nestes anos até aqui. Mas eu não me imaginava estando ao lado delas. A gente sabe que pode acontecer com a gente, mas não acredita.

Ela destaca que a importância do Outubro Rosa é mobilizar mulheres, de forma que umas cuidem das outras, reforçando a necessidade do autoexame e dos exames preventivos.

"Se eu não tivesse feito o meu exame preventivo, quando descobrisse o câncer ele já estaria bem maior e talvez eu não tivesse chance de cura. Então, a importância é essa: mulheres fortalecendo mulheres e em busca de investigar. E se tiver alguma coisa, diagnosticar a tempo de curar."