Cristina Fibe

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Opinião

Rio de Eduardo Paes se une a extremistas em guinada contra aborto legal

Imagina esse cenário: você é uma menina de 11, 12 anos, que sofreu um estupro. Por causa dessa violência, você engravidou, e agora precisa de ajuda. Seu corpo não tem condições de enfrentar uma gestação, e sua vida está em risco. Você busca o serviço do aborto legal em um hospital público — o que já não é fácil.

Ao acessar o seu direito, você é obrigada a ler placas com os seguintes dizeres: "Aborto pode acarretar consequências como infertilidade, problemas psicológicos, infecções e até óbito"; "Você sabia que o nascituro é descartado como lixo hospitalar?"; "Você tem direito a doar o bebê de forma sigilosa. Há apoio e solidariedade disponíveis para você. Dê uma chance à vida!".

Essa segunda forma de violência contra meninas e mulheres que procuram fazer um aborto com segurança é agora obrigatória por lei em instituições de saúde e hospitais da cidade do Rio de Janeiro.

Graças à caneta do prefeito Eduardo Paes, os cariocas se unem a outras cidades brasileiras que vêm fazendo um cerco para retroceder em direitos já adquiridos há décadas. Uma ameaça à dignidade, à saúde e às vidas de quem sofreu violência sexual, apoiada em ideias ultraconservadoras disseminadas pela extrema direita.

No Brasil, o aborto é permitido em casos de gravidez decorrente de estupro ou estupro de vulnerável, risco à vida da gestante e anencefalia fetal. O serviço é — ou deveria ser — oferecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

Ao contrário do que dizem as placas planejadas pela Câmara Municipal do Rio, o aborto legal é seguro — e também a decisão menos danosa à saúde mental e física de crianças que foram estupradas. Quanto mais rápido e acolhedor for o atendimento, menos graves serão as suas consequências em quem passa por isso.

A própria Organização Mundial da Saúde afirma que o risco maior de complicações acontece quando a interrupção da gravidez é feita de forma clandestina. A taxa de mortalidade relacionada a abortos legais é próxima de zero, segundo a OMS, o que significa que garantir o seu acesso com segurança salva vidas.

Mas esses dados as placas cariocas ocultam. Assim como deixam de falar das consequências do estupro para a saúde mental. Por que não ocupar esses espaços com cartazes que alertem os homens sobre o que é interação sexual sem consentimento?

Cadê a obrigatoriedade das placas nos consultórios de pediatria que alertem para o abuso contra crianças e adolescentes, que na maior parte das vezes acontece dentro de casa? É melhor prevenir a violência sexual ou impedir que meninas e mulheres busquem seus direitos ao lidar com esse trauma?

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Para a antropóloga Debora Diniz, a lei sancionada por Paes é "mentirosa e perversa" e "parte de evidências inexistentes na ciência para atemorizar mulheres e meninas". Numa rede social, a professora da Universidade de Brasília afirmou que, "se a razão dessa lei é um aceno do prefeito a grupos conservadores, ela é na verdade um estampado nas paredes das unidades hospitalares sobre como torturar meninas e meninas".

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.