Ódio digital cresce em paralelo com violência nas escolas, mostra estudo
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O ambiente digital de ódio no qual crianças e adolescentes estão sendo criados vem se intensificando no Brasil, e com ele crescem também os índices de violência nas escolas.
O fenômeno, segundo um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é apoiado em um tripé: em casa, ausência emocional; na escola, falta de escuta; nas redes, o acolhimento, mesmo que venha por discursos de ódio.
O levantamento, feito em parceria com a empresa Timelens, mostra que os posts com ameaças às escolas cresceram 360% nos últimos quatro anos, até maio de 2025. O discurso de ódio aparece migrando da deep web para as plataformas públicas, e os comentários que exaltam responsáveis por ataques saltaram de 0,2% em 2011 (no caso de Realengo) para 21% em 2025.
Os elogios aos agressores falam em "heroísmo", "legítima defesa", "vingança justa", entre outras justificativas. No ataque do último dia 8 de maio em que uma menina de 14 anos foi morta a facadas por um colega de classe, quase 30% das reações nas redes foram positivas para o agressor.
O apoio cresce em paralelo ao número de ataques em escolas: se entre 2001 e 2018 não houve, no Brasil, mais de dois casos por ano, a partir de 2019 há um aumento significativo dos episódios de violência extrema. Segundo o Observatório Violência nas Escolas, o quadro se agrava muito em 2022 e 2023, com 10 e 15 ataques ao ano, respectivamente.
Os dados mostram que, até 2023, em todos os casos registrados os agressores eram homens motivados por discursos de ódio e por comunidades online de violência extrema.
De acordo com estudos encomendados pelo Ministério da Educação (MEC), as principais causas incluem o aumento do extremismo e sua disseminação por meios digitais; a falta de controle e criminalização de discursos e práticas de ódio; a promoção da cultura armamentista e a glorificação da violência; a prevalência de bullying, preconceitos e discriminação no ambiente escolar; e a formação profissional insuficiente para lidar com mediação de conflitos e convivência escolar.
Olhar para essas causas tem ajudado de alguma forma: o Fórum de Segurança aponta que, a partir de 2024, esforços liderados pelo MEC conseguiram evitar a tendência de aumento de casos, apesar do ambiente digital em processo de radicalização.
O estudo conclui que "existe uma raiva silenciosa que estamos ignorando — até que ela exploda. Quando explode, é recebida com honra nos canais que a moldaram".
Para Manoela Miklos, pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, todos os estudos apontam para uma maior vitimização de meninas e mulheres no Brasil. Esse, em específico, "ilumina a violência que passa pelas redes e atinge uma geração nativa da internet, para quem offline e online são uma mesma experiência".
"É uma vida híbrida, o digital e o real são, juntos, o real", diz Miklos. "Temos que fazer um exercício de entender o que acontece dentro dos computadores dessas crianças, e dentro da cabeça dessas crianças. A gente precisa estar atento. E aí trabalhar, como sociedade, atribuindo as responsabilidades adequadas a cada um — Legislativo, Judiciário, escolas, sistema de saúde, famílias —, para que meninas e meninos tenham mais segurança nessa jornada."
Renato Dolci, diretor de dados da Timelens, diz ainda que "o estudo é a constatação de que a violência digital deixou de ser exceção para se tornar paisagem. Ela não explode de repente, ela se forma no silêncio, na solidão e na ausência de referências emocionais. Hoje, parte do ressentimento juvenil encontra nas redes um roteiro pronto: primeiro o acolhimento, depois a radicalização."
"Não é que a violência tenha aumentado nas redes", ele afirma, "é que ela ficou mais confortável por lá": "O discurso de ódio encontrou público, linguagem, recompensa e impunidade. O dado nos mostra uma mudança estrutural: jovens não estão apenas consumindo conteúdo, estão formando identidade em ambientes que premiam o exagero e a exclusão".
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