Vergonha não mudou de lado: Pelicot é celebrada, mas milhares são atacadas
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A francesa Gisèle Pelicot foi considerada pela revista "Time" uma das 100 pessoas mais influentes de 2025. No texto em sua homenagem, a ativista e escritora Gloria Steinem, um ícone da luta feminista, afirmou que "todas as manhãs, quando Gisèle chegava de cabeça erguida a um tribunal francês, ela se recusava a ser dominada pela ordem patriarcal que por tanto tempo subjugou as mulheres".
Ao abrir mão do sigilo em seu processo e permitir que o mundo visse as imagens das violências que sofreu, Gisèle Pelicot colocou em prática uma das bandeiras que defende: "Que a vergonha mude de lado".
Sua coragem a fez celebrada pelo mundo como um símbolo da luta contra o estupro. Gloria Steinem a comparou a Gandhi por desafiar a violência que é parte do sistema e contribuir para o avanço dos direitos humanos.
Avançamos, sem dúvida. Mas a vergonha ainda não mudou de lado.
Gisèle Pelicot precisou das provas que o próprio marido registrou para causar comoção mundial. Precisou ser estuprada por ao menos 50 homens, durante décadas, e precisou que a polícia investigasse e expusesse os crimes para obter reparação.
O tribunal do senso comum então aprovou a francesa como uma sobrevivente merecedora de justiça. Uma mulher de família, que era casada e só permaneceu com o seu abusador por não saber das violências que sofria. E que tinha provas materiais, imagens comprovando o seu martírio.
Enquanto isso, quantas são silenciadas porque sua palavra não basta? Quantas gritam implorando por justiça e são atacadas? Que nível de violência é necessário para que se defenda a liberdade sexual de uma mulher?
No Brasil, são raras as sobreviventes acolhidas com respeito depois que os seus casos vêm a público. Qualquer desculpa funciona para proteger um abusador: orgulho nacional, motor econômico da cidade, operador de milagres, jogador milionário, defensor dos direitos humanos, galã de novela… E qualquer desculpa serve para desacreditar uma mulher.
Muitas têm, sim, a coragem de Gisèle Pelicot. Pouquíssimas são consideradas dignas de reparação.
Como escreveu Gloria Steinem: "Gisèle nos mostrou o caminho. Agora precisamos segui-lo". Não é sobre o que as vítimas devem fazer. É sobre como o mundo deve mudar para acolher essas sobreviventes.
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