Cristina Fibe

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Opinião

Patrícia Ramos, Mariana Goldfarb e Ana Hickmann estão fazendo uma revolução

Aviso de gatilho: este conteúdo pode ser perturbador para quem já passou por situações de violência

Não é uma revolução planejada, mas é uma revolução. Nós mulheres já fizemos algumas: pelo fim do assédio, pelo fim do estupro, pelo fim da importunação sexual. Mas talvez seja mais difícil ainda vir a público dizer: eu também fui vítima da pessoa que eu amava.

Admitir isso dói na carne, e em várias camadas: se você foi abusada, maltratada, espancada pelo homem com quem escolheu viver, o que isso diz sobre as suas escolhas? A gente sente culpa, sente vergonha. E sente medo. De ficar sozinha, de ninguém entender, de não conseguir se sustentar, de perder os filhos. De os filhos perderem o pai. De a família acabar.

Mas ninguém escolhe estar numa relação violenta. Nenhum abusador vem com uma etiqueta, um aviso na testa. Ao contrário: eles podem ser lindos, carismáticos, sociáveis, galanteadores e charmosos. Primeiro, você se apaixona. Recebe declarações e gestos de amor como nunca antes. Depois é que vêm os mecanismos de controle e domínio.

Vai sair de batom pra quê? Vai sair pra quê? Sobre o que você e sua amiga tanto falam? Não gosto que ligue pra ela. Não gosto que beba com ela. Não quero ficar sozinho, por que vai pra rua sem mim? Não precisa trabalhar, eu cuido de tudo. Não precisa malhar, você tá ótima. Esmalte vermelho? Não fica bonito. Deixa que eu abro a sua conta no banco. Deixa que eu administro o dinheiro. Não precisa se preocupar. Com nada. Só comigo.

O controle, travestido de cuidado, vai minando as forças da mulher. Sem autoestima e isolada, ela começa a questionar as próprias certezas, passa a pedir autorização pra sair, pra pensar, pra viver.

E é literalmente disso que se trata: pedir autorização pra viver. Porque o fim desse caminho é muitas vezes o feminicídio. A morte pelas mãos do homem que você acreditou te amar.

Um documentário lançado nesta semana ilustra bem os perigos desse ciclo. Dirigido por Roberta Fernandes, "Ato Final" é um filme que serve de alerta: mostra como a violência vai escalonando na mesma medida em que a mulher se enfraquece.

Uma das entrevistadas conta que os tapas viraram rotina, e que os dois iam se mudando de casa, conforme os vizinhos percebiam. Se saíam pra jantar e ele ficava com ciúmes de algum olhar, só dizia: a gente conversa em casa. E ela já sabia que ia apanhar. Um dia, ele a machucou tanto que precisou levá-la ao hospital, dizendo que tinha sofrido uma queda. "Os médicos acharam bonito o cuidado dele."

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Outra conta que apanhava tanto que, ao chegar ao hospital onde trabalhava, batia o ponto e era colocada no soro, pra se recuperar. Tinha de voltar pra casa sem banho, mesmo sob risco de contaminação, porque ele desconfiava. Chegou a apanhar enquanto amamentava um dos filhos do casal. Não chamou a polícia por medo de perder a guarda.

O recado que resume o filme vem da sobrevivente Marciane Pereira, queimada viva pelo ex-marido, pai de seus filhos, em 2018. O crime, que a fez perder uma perna depois de ficar com 40% do corpo queimado, não foi antecedido por outras agressões físicas. Ela diz que, por isso, não achou que estivesse em perigo nos anos que passaram juntos.

Mas ele a "torturava mentalmente", cometia violência patrimonial, dizia que ela não ia conseguir cuidar das crianças. Marciane aconselha: não espere apanhar pra sair de uma relação abusiva. Violência é violência, e uma pode levar à outra.

Por isso, é revolucionário que celebridades como Patrícia Ramos, Mariana Goldfarb e Ana Hickmann, pra mencionar os casos mais recentes, falem sobre as violências psicológicas, patrimoniais e físicas que sofreram em relações amorosas. Não são elas que devem sentir vergonha, são eles. E o silêncio é a maior arma dos homens pra se proteger.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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