Cris Guterres

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Opinião

Nenhuma piada deve dizer quem merece respeito e quem deve ser excluído

A Justiça Federal de São Paulo condenou o humorista Léo Lins a oito anos e três meses de prisão, em regime fechado, por práticas discriminatórias em suas apresentações de stand-up. De acordo com a sentença, o comediante promoveu discursos de ódio contra pessoas negras, indígenas, com deficiência e LGBTQIA+. A decisão ainda não é definitiva, e cabe recurso.

O caso reacende uma discussão essencial e urgente: quais são os limites da liberdade de expressão no humor? A ação foi movida pelo Ministério Público Federal, que considerou que as piadas de Léo Lins extrapolavam os limites da liberdade artística e reforçavam estigmas sociais já historicamente normalizados.

Na sentença, a juíza federal Bárbara de Lima Iseppi afirmou: "No caso de confronto entre o preceito fundamental de liberdade de expressão e os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica, devem prevalecer os últimos."

O humorista já havia sido condenado por danos morais após comentários gordofóbicos contra a dançarina Thais Carla, além de ter sido demitido do SBT em 2022 após piadas com uma criança com hidrocefalia. Em 2023, seu especial "Perturbador" foi removido do YouTube por ordem judicial, devido ao teor discriminatório.

Esse histórico evidencia mais do que provocações passageiras, aponta para o uso sistemático do humor como ferramenta de opressão. A piada, nesse contexto, deixa de ser linguagem artística para se tornar arma simbólica, perpetuando violências disfarçadas de entretenimento.

James Baldwin, em "Eu Não Sou Seu Negro", foi um dos intelectuais que ao longo dos anos alertou para esse fenômeno. Ao analisar a representação do negro na cultura norte-americana, ele escancarava o papel da arte, inclusive do humor, na construção de um imaginário onde pessoas negras eram reduzidas ao estereótipo da piada, da servidão ou da violência. Baldwin mostrava que o riso, quando dirigido sempre aos mesmos corpos, educa o olhar da sociedade para desumanizá-los.

O riso não é neutro. Ele ensina quem merece respeito e quem pode ser ridicularizado. Em uma sociedade estruturalmente racista, capacitista e LGBTfóbica, esse tipo de humor valida a exclusão.

Há quem insista em chamar a imposição de limites de censura. Mas o que está em debate não é o direito de fazer piadas, e sim o dever de responder por elas. Humor é liberdade, sim. Mas também é escolha ética. E quando se opta por transformar o palco em tribunal da dignidade alheia o humorista faz uma escolha pela humilhação do outro.

O Brasil não condenou o humor. O que se condena é o uso sistemático do riso para reforçar estruturas de opressão. E há exemplos que provam que é possível rir sem agredir. Paulo Gustavo, com sua sensibilidade e inteligência, construiu uma carreira inteira fazendo o país gargalhar sem desumanizar ninguém. Ele fazia do humor uma ponte. E hoje, Paulo Vieira segue por esse mesmo caminho. Sem abrir mão da crítica social, tem ganhado espaço no entretenimento com inteligência, carisma e precisão. Mostra que o riso pode ser afiado sem ser cruel.

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A sentença contra Léo Lins é mais do que uma decisão jurídica. É um espelho para o país. Um alerta de que o riso tem limite. E esse limite termina onde começa a dignidade do outro.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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