Cris Guterres

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Opinião

Você fica ansiosa antes de postar uma foto? Uma em cada 4 mulheres sim!

O espelho mais consultado pelas mulheres não está mais no banheiro ou na bolsa. Ele vive na câmera frontal do celular, ativada dezenas de vezes até que uma imagem pareça boa o suficiente para ser compartilhada. Uma pesquisa recente realizada pela Dove revelou um dado emblemático: 8 em cada 10 mulheres brasileiras tiram até 50 fotos antes de escolher uma única para postar. Cinquenta tentativas para parecer espontânea.

Esse dado, por si só, revela o cansaço de uma geração que passou a viver sob o domínio da cultura da imagem, um sistema que cobra das mulheres não apenas beleza, mas um compromisso constante com a curadoria da própria aparência. Segundo a mesma pesquisa, 81% das mulheres refazem fotos até acharem que estão "perfeitas", e 59% passam mais de 10 minutos analisando uma única imagem. O corpo, nesse processo, deixa de ser abrigo e passa a ser projeto. Sempre inacabado, sempre insuficiente.

Mais da metade das entrevistadas afirma que busca a opinião de outras pessoas antes de postar uma foto. O espelho, que já foi íntimo, agora é coletivo. A autoimagem é mediada pelo algoritmo, pelas curtidas, pela expectativa do outro. E nesse jogo, o rosto que aparece no feed é só a parte visível de uma negociação invisível entre identidade e aceitação.

Os efeitos dessa dinâmica são profundos. A pesquisa revela que 69% das mulheres já deixaram de compartilhar momentos especiais porque não gostaram da própria aparência. Uma em cada quatro sente ansiedade antes mesmo de publicar. E 82% já rasgaram uma foto sua por se sentirem envergonhadas. A selfie, que deveria ser registro de si, se transforma em campo de batalha emocional. A espontaneidade vira risco. O corpo vira produto.

Como propõe a filósofa Judith Butler, a identidade é uma performance socialmente construída, repetida, regulada e observada. Nas redes, essa lógica se acentua. A mulher se torna atriz, diretora e roteirista da própria persona visual. A selfie deixa de ser um reflexo e passa a ser um papel a ser interpretado. E para caber nesse papel, é preciso repetir padrões, esconder imperfeições, comprimir a existência.

É claro que nem todas as mulheres têm as mesmas chances de serem aceitas nesse palco. Mulheres negras, gordas, trans, com deficiência ou mais velhas são sistematicamente empurradas para fora do campo de visibilidade. A cultura da imagem reforça desigualdades históricas e distribui privilégios de forma silenciosa, mas eficaz. A imagem que "funciona" é aquela que repete o padrão, e o padrão, quase sempre, exclui.

No fim das contas, a pergunta "como eu estou nessa foto?" se transforma em "será que essa foto me protege ou me expõe?". E quando a imagem se torna defesa, perde a função de memória. Talvez o maior desafio contemporâneo seja esse: reaprender a se olhar sem medo, se mostrar sem filtro, se reconhecer sem pedir permissão.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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