Caso Daniel Alves: faltam provas ou disposição pra acreditar em uma mulher?

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O Tribunal Superior de Justiça da Catalunha (TSJC) absolveu o ex-jogador Daniel Alves da condenação por agressão sexual. A decisão, unânime, anulou a pena de 4 anos e meio de prisão que havia sido imposta por um tribunal inferior. Segundo os magistrados, compostos por três juízas e um juiz, o depoimento da vítima apresentava "inconsistências" e, portanto, não era confiável o suficiente para manter a condenação. A defesa da vítima já anunciou que vai recorrer.
Daniel Alves foi absolvido. E o argumento usado é conhecido: faltam provas. Mas basta olhar para o processo para perceber que o que realmente faltou foi disposição para ouvir e acreditar na palavra de uma mulher.
O ex-jogador apresentou cinco versões diferentes do que teria acontecido naquela noite em Barcelona. A cada avanço da investigação, ele ajustava sua narrativa. Disse que não conhecia a vítima. Depois disse que esteve com ela, mas nada aconteceu. Em seguida, que houve sexo oral consensual. Mais adiante, que ela o procurou. E por fim, admitiu o ato sexual com penetração, alegando que mentiu para proteger o casamento.
A vítima? Manteve a mesma versão do começo ao fim. Mas foi ela quem o tribunal considerou incoerente.
Nessa história, o foco está todo nas "inconsistências" da vítima. Mas o que quase ninguém está falando é sobre o que isso revela da nossa cultura do descrédito. A questão aqui não é apenas jurídica. É simbólica, cultural e histórica, pois vivemos em um sistema que lida melhor com um homem confuso do que com uma mulher firme.
Daniel Alves se contradisse cinco vezes. A vítima manteve a mesma versão.
Mesmo assim, foi ela quem não foi considerada confiável. Isso diz muito sobre como o mundo se sente confortável em desqualificar a palavra de uma mulher. Porque acreditar nela significa olhar para um problema que ninguém quer ver: a violência sexual continua sendo normalizada, abafada, relativizada.
A alegação de "falta de provas" tem sido o escudo perfeito para decisões que ignoram o óbvio. Os exames mostraram sêmen de Daniel Alves no corpo da vítima. As perícias apontaram lesões compatíveis com resistência. As imagens de segurança confirmaram o que ela contou. Ainda assim, a justiça decidiu que não era suficiente.
Quando o corpo da mulher fala e as evidências estão ali, mas a justiça escolhe não escutar, a mensagem é clara: sua versão precisa ser perfeita para ser crível. Já a dele pode tropeçar à vontade.
E mais: a decisão foi tomada por três juízas e um juiz. E isso precisa ser dito com todas as letras. O machismo estrutural não é um clube exclusivo de homens. Mulheres também são socializadas a duvidar de outras mulheres. Representatividade sem consciência crítica não impede injustiças.
Não é a primeira vez que vemos o mundo achar mais fácil confiar na dúvida de um homem do que na certeza de uma mulher. O nome disso é pacto do descrédito. Ele é sutil, resistente e onipresente. Está nas delegacias, nas salas de audiência, nas redes sociais e nos comentários de gente que ainda se pergunta: "mas será que foi mesmo?"
Enquanto isso, Daniel Alves, que já estava fora da prisão após ter pago fiança de cerca de 1 milhão de euros, pode pedir indenização e retomar sua vida. Já a mulher que o acusou precisa lidar com as consequências de um processo que não apenas não lhe fez justiça, como reforçou o velho aviso: sua palavra, sozinha, não é suficiente.
A defesa da vítima vai recorrer. O caso ainda pode ser revisto por instâncias superiores. Mas há um dano que não se reverte: o de mais uma mulher ensinada a desconfiar da justiça.
É preciso dizer em voz alta: não basta que a mulher tenha coragem para denunciar, é preciso que o sistema esteja disposto a acreditar. Esse pacto não se rompe sozinho. A gente vai ter que rasgar, expor e incomodar. Porque se a justiça prefere proteger contradições masculinas a verdades femininas, a sociedade precisa escolher de que lado quer estar.
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