Oscar 2025 e como desconfiamos do brilho feminino quando vem sem sofrimento
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Dizem que a arte imita a vida. Mas, às vezes, a vida responde à arte com uma ironia que nem o melhor roteirista de Hollywood poderia prever. Foi o que aconteceu no Oscar deste ano, quando Mikey Madison venceu na categoria de Melhor Atriz, superando concorrentes de peso como Demi Moore, Fernanda Torres, Cynthia Erivo e Karla Sofía Gascón, em uma disputa marcada por atuações grandiosas, mas que acabou sendo reduzida a um embate entre juventude e experiência, um reflexo direto do enredo de "A Substância", filme que, numa coincidência cruel, rendeu a Moore sua primeira indicação à estatueta.
No longa, uma atriz veterana toma um composto para rejuvenescer e se manter relevante na indústria do entretenimento. Na vida real, a vitória de uma jovem atriz sobre uma veterana acendeu debates sobre etarismo em Hollywood, um sistema que historicamente favorece mulheres mais novas, quando isso lhe convém. Ao mesmo tempo, surgiram questionamentos sobre por que o brilho de uma mulher jovem e talentosa incomoda tanto.
E é aí que a gente precisa parar e pensar: essa rivalidade é realmente nossa? Ou será que estamos apenas reproduzindo um roteiro que não escrevemos?
Hollywood tem uma longa tradição de descartar mulheres depois dos 40. Mas também tem o péssimo hábito de não reconhecer a grandiosidade de atrizes jovens sem antes submetê-las a uma narrativa de provação. Demi Moore, aliás, é prova viva disso. Quando era a maior estrela do cinema, nos anos 90, nunca foi indicada ao Oscar porque era "comercial demais", "bonita demais", "bem-sucedida demais", "jovem demais". Agora, quando finalmente teve sua chance de levar a estatueta, perdeu para uma atriz que está começando sua trajetória.
A essa altura, já deveríamos ter aprendido que essa história de rivalidade feminina é uma grande armadilha. Mas é difícil escapar dela quando crescemos ouvindo que só pode haver uma mulher brilhando por vez. E isso sem sequer entrar na questão racial.
Se Mikey Madison fosse um homem vencendo um veterano, estaríamos falando de "passagem de bastão", de uma "nova era para o cinema". Mas, como se trata de duas mulheres, o discurso automaticamente vira uma disputa.
No fim, essa polêmica diz menos sobre elas e mais sobre nós. Sobre como aprendemos a desconfiar do brilho feminino quando ele vem sem sofrimento. Sobre como, mesmo quando tentamos defender uma mulher, acabamos atacando outra. Sobre como o machismo nos coloca em um jogo onde, seja jovem ou mais velha, a mulher sempre parece estar na posição errada.
Demi Moore viveu os dois lados dessa moeda: primeiro sendo subestimada quando jovem e agora sendo vista como uma atriz que deveria ser reconhecida "antes que seja tarde demais".
Demi Moore merecia esse Oscar? Sim. Mikey Madison também? Sim. Mas quem deveria ter levado? Para mim, Fernanda Torres. O problema nunca foi uma delas. O problema sempre foi uma premiação que faz com que pareça que só há espaço para uma.
É mais que óbvio que eu estava torcendo para a nossa Fernanda Torres, não por ser brasileira, mas pela atriz completa que ela é.
Agora, preciso confessar. Assisti aos três filmes: "Anora", "A Substância" e "Ainda Estou Aqui", e adorei todos. Mas "A Substância" ganhou meu coração e eu já contei isso aqui na coluna, não necessariamente pela atuação de Demi Moore, embora ela esteja majestosa no papel, mas pela forma como a narrativa trabalha o etarismo de maneira brilhante, desconfortável e necessária. Ainda assim, para mim, quem deveria ter levado esse prêmio era Fernanda. Uma atuação imensa, uma entrega impressionante. Mas sabemos bem como esse jogo é jogado.
E se tem algo que precisamos absorver de tudo isso, é que não dá mais para aceitar esse roteiro. A gente merece histórias com mais protagonistas mulheres, de todas as idades, cores, corpos e vivências, sem que uma precise ser apagada para que a outra brilhe.
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