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Cris Guterres

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Oprah e Viola' na Netflix: 'Me senti representada como mulher negra'

Colunista do UOL

04/05/2022 12h35

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Sempre acreditei que viver, para a maioria das pessoas ao redor do mundo, fosse um ato de coragem. Ao assistir "Oprah e Viola: Um Evento Especial Netflix" e me identificar com muitos dos sentimentos que Viola Davis deixou transbordar durante a conversa, tive mais uma pista nesta definição de que eu e muitas mulheres que conheço nos movemos tomadas por uma intensa determinação.

Lançado no último dia 22 de abril, o programa, que pode ser conferido no catálogo da Netflix, é uma entrevista emocionante sobre a vida pessoal e profissional de Viola Davis, uma das atrizes mais consagradas da atualidade, que acaba de lançar um livro de memórias: "Finding Me: a Memoir" [ed. HarperLuxe, ainda sem edição em português].

Toda a conversa entre as duas é pontuada por passagens do livro. São 48 minutos que me foram muito angustiantes, pois Viola revela uma infância definida por miséria, racismo, violência, abuso sexual e muita fome em Rhode Island, um dos Estados mais frios dos Estados Unidos.

Fuga da escola

Num dos trechos mais emocionantes, a atriz de 56 anos revela que sua vida ainda é definida pela imagem da garotinha de 8 anos de idade que todos os dias corria pela porta dos fundos da escola, fugindo de um grupo de garotos que a perseguia. Atacando nela tudo o que viam pela frente, como tijolos e gravetos. Gritando expressões racistas e a chamando de feia. "Essa é a lembrança que me definiu. (...) Eu nunca parei de correr, meus pés só pararam de se mover", disse a atriz.

Eu sinto o que Viola diz, pois a definição do ser feia por ser negra foi o que mais me custou caro na vida. Além de anos e anos de terapia, esta corrida da qual Viola fala me é muito familiar. Você não será amada, nunca será bonita, será sempre odiada.

Isso tudo nos custa muitos sonhos e atitudes e nós ficamos fadadas a correr disso a vida toda ainda que nossos pés estejam parados. Deixamos de fazer coisas na vida por não saber como não ser definidas pelas mentiras que os outros contam sobre nós. Eu nunca fui feia. Eu sou uma mulher, sou um ser humano e a busca por este reconhecimento é fruto de minha coragem.

A mesma coragem da qual Viola fala durante a conversa com Oprah: "Coragem é uma das mais importantes virtudes, pois sem ela você não pode chegar a lugar nenhum", explica a atriz.

Falsa teoria do mérito

Alguns serão capazes de cometer um impropério e transformar a história de Viola em um exemplo da teoria do mérito. Eles dirão: se com todo este sofrimento ela conseguiu se tornar uma das mulheres mais bem-sucedidas do mundo, você também consegue. Já posso imaginar os posts nas redes sociais romantizando um passado de tantas torturas para convencer o mundo de que a vida é pura e simplesmente o resultado do seu empenho.

Mas o que Viola nos mostra é totalmente o contrário. Num trecho da entrevista com Oprah, as duas falam de como as pessoas não entendem que é impossível fazer o melhor ou ser o melhor quando não existe alguém que possa te conduzir por este caminho.

"As pessoas não entendem que, se ninguém te mostrar, você precisa descobrir sozinha e eu não tinha as ferramentas para descobrir sozinha. Eu tinha vergonha de não ter as ferramentas para descobrir sozinha. Então tudo o que eu tinha, e que eu poderia fazer, era nadar na vergonha", conta Viola.

"Oprah e Viola: Um Evento Especial Netflix" é uma conversa sobre amor próprio e também nos brinda com uma deliciosa história sobre como Viola conheceu seu marido, sobre a maternidade através da adoção e as conquistas de uma atriz que já recebeu os três principais prêmios mundiais concedidos a um ator: um Oscar, um Emmy e um Tony.

Só me resta agradecê-la por tanta generosidade ao se mostrar tão vulnerável:

Obrigada Viola, ao revelar como encarou seus medos, acabou me auxiliando a encarar os meus.