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Cris Guterres

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O ano da exaustão: chegar até aqui com sorriso no rosto é revolucionário

"Ao mesmo tempo em que me sinto sem ânimo, eu sou grata por ter chegado viva até aqui" - iStock
'Ao mesmo tempo em que me sinto sem ânimo, eu sou grata por ter chegado viva até aqui' Imagem: iStock

Colunista de Universa

22/12/2021 04h00

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Chego ao dia 22 de dezembro de 2021 fazendo um esforço grande para não ser desagradável com ninguém ao meu redor, inclusive com você, minha querida leitora. Chegar até aqui com um sorriso no rosto é um ato revolucionário. Estou exausta, o sorriso tenta sair, mas o meu cansaço imenso o coíbe com requintes de crueldade.

Eu invejo os otimistas, invejo os que conseguem enxergar a possibilidade de melhora em meio a tudo o que vivemos nos últimos dois anos. Invejo e agradeço por existirem, pois, sem eles a me empurrar ladeira acima, eu já teria sucumbido.

A meu ver, me apresentar como exausta ao final de 2021 é quase que um pedido de licença para ser desagradável. É dizer que eu não estou com saco pra nada e pra ninguém. É assumir que estou indo obrigada à festa de Natal familiar e que tenho vontade de cancelar as pessoas que exacerbam felicidade nos enfeites natalinos.

É muito foda a confusão de sentimentos que me constroem. Me desculpe por ter usado um palavrão, mas é a palavra que me resume. Foda é uma palavra boa pra quando você não sabe exatamente o que quer falar. Pode ser uma coisa incrível, pode ser uma coisa ruim, no fim todo mundo entende e fica tudo bem.

Enfrentamos pandemia e Bolsonaro

Mas, como eu ia dizendo, ao mesmo tempo em que me sinto sem ânimo, eu me pego grata por ter chegado viva até aqui. Nós enfrentamos um projeto ardiloso arquitetado para nos eliminar. Enquanto o mundo enfrentou uma pandemia, nós enfrentamos a pandemia e Jair Bolsonaro.

Chegar aqui somente exausta é um privilégio. Não gosto de usar a palavra privilégio quando falo em primeira pessoa sendo preta, mas é verdade. Se em algum momento privilégio me coube, o momento é agora. Chego viva, saudável e alimentada quando mais da metade da população brasileira, cerca de 116 milhões de pessoas, está vivendo em insegurança alimentar e pelo menos 19 milhões de brasileiros não sabem se comerão alguma coisa na noite de Natal.

Os dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional enfatizam o quanto nunca antes na história deste país foi tão difícil viver aqui. Nunca foi tão difícil ser brasileiro, nunca foi tão ultrajante ver o presidente da nação criando notícias falsas em torno da vacina na televisão quando deveria estar pensando em um plano econômico. Opa! Nem sei se é possível conjugar o verbo pensar com o substantivo Bolsonaro. O que ele faz é delirante, esdrúxulo, anacrônico, contraproducente.

Quem passa fome, pensa no próximo

Fico lembrando das sábias palavras da escritora Maria Carolina de Jesus: o Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora. Quem passa fome aprende a pensar no próximo, em especial, nas crianças. Não sei se o presidente já passou fome um dia, mas pensar no próximo não é algo que lhe é familiar. Estamos assistindo Bolsonaro atacar a vacinação infantil contra a covid quando todas as pesquisas demonstram que esta é a melhor opção para salvar nossos filhos.

Como boa filha de Oxum, vou me recolher neste fim de ano e me observar no espelho de minha mãe em busca de força. Embora exausta, eu tenho que encontrar minha força, pois 2022 será um ano de muita luta para os que sobreviveram. Cabe a nós transformar o ódio e a exaustão em amor, pois só o amor será capaz de nos movimentar em direção a um Brasil sem uma ideologia política autoritária e ditatorial.