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Cris Guterres

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Mulheres negras promovem transformação na TV: 'Ganhamos Troféu Imprensa'

A colunista Cris Guterres é apresentadora do "Estação Livre", da TV Cultura, que levou o Prêmio Troféu Mulher Imprensa na categoria Melhor Projeto com Temática de Diversidade - NathalieBohm/TV Cultura
A colunista Cris Guterres é apresentadora do "Estação Livre", da TV Cultura, que levou o Prêmio Troféu Mulher Imprensa na categoria Melhor Projeto com Temática de Diversidade Imagem: NathalieBohm/TV Cultura

Colunista de Universa

16/12/2021 04h00Atualizada em 16/12/2021 10h02

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Ela veio falar comigo visivelmente emocionada, com lágrimas nos olhos. Me contou que um dia estava zapeando entre os canais de televisão e viu uma mulher negra, corpulenta e com cabelos crespos bem armados no estilo black power conversando sobre ciência com dois outros profissionais também negros: um médico e um fisioterapeuta.

"Aquela cena me espantou. Num primeiro momento, achei estranho. Era muita gente preta num programa de televisão e eles estavam falando de ciência, medicina. Minha mãe que estava comigo no sofá da sala logo comentou sobre nunca ter visto ou sido atendida por um médico negro. Ficamos muito emocionadas por nos enxergarmos em tudo o que vocês conversaram naquele programa. Aquela cena representou algo intenso e poderoso".

Esta foi a história que Lídia me descreveu quando nos encontramos na Expo Internacional da Consciência Negra agora em novembro. Eu nunca tinha visto Lídia na vida quando ela me abordou num dos corredores do evento dizendo que só queria me agradecer pelas noites de sexta que passava ao meu lado. Ela se referia ao programa que apresento toda sexta à noite, na TV Cultura: o "Estação Livre". Um programa onde a potência e a cultura da população negra brasileira ganham destaque.

Conversei alguns poucos minutos com Lídia. Quebramos o protocolo em tempos de covid-19 e, protegidas por nossas máscaras, nos permitimos um abraço entre duas mulheres que estavam ali comungando um mesmo sonho: ver a população negra ser retratada nos meios de comunicação através de sua grandeza e não de suas mazelas.

Desde abril de 2019, vivo o meu sonho profissional: apresentar um programa de televisão. Me formei em jornalismo há 20 anos e segui por caminhos muito longos, algumas vezes tortuosos, até ocupar o posto em frente às câmeras numas das principais redes de televisão do país.

Diversidade premiada

Quando estreou, o "Estação Livre" já trazia inovação em sua construção. Era o primeiro programa da TV brasileira apresentado, produzido e dirigido por mulheres negras. De lá para cá, a equipe mudou um pouco, mas continuamos com o mesmo propósito: colocar a diversidade como uma das principais pautas a ser discutidas na atualidade e permitir que as pessoas negras contem suas próprias histórias.

Estamos conseguindo — e com louvor. Além de emocionar pessoas como Lídia e sua mãe, acabamos de receber o prêmio Troféu Mulher Imprensa na categoria Melhor Projeto com Temática de Diversidade. O prêmio chegou com menos de oito meses de programa no ar. Um reconhecimento poderoso à qualidade do trabalho que estamos desenvolvendo.

O Troféu Mulher Imprensa é uma premiação realizada pelo Portal Imprensa desde 2005 e reconhece o trabalho das mulheres na comunicação. Este ano, seis mulheres negras estão entre as 16 premiadas. São elas: a apresentadora da Globonews Flávia Oliveira; a apresentadora do Fantástico Maria Júlia Coutinho; a apresentadora e roteirista do The Intercept Brasil Nathália Braga; a responsável pela Fiocruz Pernambuco Rita de Cassia Vasconcelos; e a comandante da área de novos negócios da Agência Weber Shandwick Márcia Cirino.

Luta e esperança

Diversidade é um debate urgente na sociedade brasileira. A ausência de pessoas negras no jornalismo, desde a redação até à notícia, tem contribuído para a exclusão social de mais da metade da população do país que se autodeclara preta.

Estamos festejando tardiamente o reconhecimento do potencial desta população e ainda estamos longe do número ideal de profissionais. Recebo inúmeras mensagens de jornalistas negros que desistiram do sonho de carregar um microfone em punho no exercício da atividade por encontrar o racismo como a principal barreira no momento da contratação.

Nós vamos continuar lutando. O "Estação Livre" é resultado de luta e da esperança como um ato revolucionário. Este prêmio é a prova de que investir na população negra é diminuir as desigualdades e permitir que sejamos a chave de um futuro com inclusão e pertencimento.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado, Rita Vasconcelos é responsável pela Fiocruz Pernambuco, e o prêmio recebido foi por seu trabalho nessa unidade da Fundação

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL