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Cris Guterres

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Mulheres trans e mercado de trabalho: arco-íris não pode ser só estampa

Bandeira do orgulho trans (Reprodução) - Reprodução / Internet
Bandeira do orgulho trans (Reprodução) Imagem: Reprodução / Internet

Stella Carvalho* a convite de Cristiane Guterres

Colunista de Universa

05/10/2021 04h00

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Há alguns anos, com o avanço das discussões de gênero e sexualidade na mídia, é possível perceber uma movimentação das empresas para acompanhar os novos grupos de consumidores em crescente no Brasil. Ouve-se falar de diversidade de um lado, inclusão de outro. A representatividade, por vezes, vira pauta de campanhas premiadas e belos cases engrandecedores de marcas. Certamente, arco-íris estampa o fundo de enfeitadas promessas e suas visibilidades salvadoras.

Em contrapartida, um levantamento da ANTRA estima que 90% das mulheres trans e travestis encontram na prostituição a única forma de sobrevivência ao caos brasileiro, agora, revestido de cores e purpurina, ao passo que menos de 5% possuem emprego formal. Tais fatos controversos nos levam a questionar o que tem sido feito por corporações, líderes e contratantes para efetivar os discursos de pluralidade que conquistam o público e garantem os aplausos da comunidade LGBTQIA+.

O comprometimento de empresas e suas gestões em empregar pessoas trans e manter um ambiente de trabalho estimulante e acolhedor é crucial para que os anseios da comunidade saiam do papel e tomem vida com políticas legítimas no interior das instituições.

Nesse sentido, a Olga Ri, especializada em delivery de saladas em São Paulo, tem realizado um bom trabalho ao integrar, na cultura da empresa, a oportunidade segura e adequada de emprego para todas as pessoas, através de avaliação humanizada, entrevistas ágeis e dinâmicas descontraídas.

Quando questionada sobre a preocupação da empresa em abrir portas para que travestis, mulheres e homens trans tenham chances equiparadas de contratação, Flávia Ribeiro, responsável pelo RH da Olga, garante que a cultura está sedimentada em pilares de diversidade e inclusão de modo a naturalizar a empregabilidade trans e, inclusive, contribuir para o desenvolvimento pessoal e profissional de todas as pessoas funcionárias.

Flávia ainda frisa a importância de manter uma relação aproximada com as pessoas, compartilhando as suas histórias e estabelecendo uma troca sincera que promova um ambiente de trabalho confortável e agradável para todas. "O mais importante é estar no lugar onde você ganha voz", afirma ela. Assim, problemas posteriores são evitados e a comunicação se torna via de regra para resolver qualquer circunstância que venha a desrespeitá-las ou desumaniza-las por suas características e/ou identidades.

Além disso, a empresa, que conta com uma liderança majoritariamente feminina, reflete os seus valores em todo o corpo de funcionários, construindo, inclusive, um comitê de cultura para a criação de materiais informativos em torno de temas como racismo, feminicídio, LGBTQIA+fobia e assédio.

Entre as histórias inspiradoras que preenchem o espaço da empresa e aquecem os nossos corações, Isabela Damasceno divide com muito carinho o seu processo de transição e a importância do suporte empresarial para a sua jornada.

Isa tem 26 anos e é uma mulher trans que contribui efetivamente com o desenvolvimento da empresa. Todavia, a paulistana nos relembra dos diversos momentos de angústia e desrespeito que envolvem a procura por emprego de pessoas trans: "Eu tive que várias vezes me esconder. Por que não posso participar de entrevista como todas as outras pessoas?", desabafou sobre a necessidade de diferenciação das pessoas por suas identidades de gênero.

Hoje, em seu terceiro cargo dentro da empresa, Isabela reafirma a importância do acolhimento a pessoas trans no mercado de trabalho, "Fui abraçada pela equipe toda. Foi um presente para a minha vida". Dentro da Olga, para a profissional, não só foi possível ganhar e evoluir experiência, como, inclusive, garantir o acesso à saúde e a outros direitos básicos negados à maioria das pessoas trans. "Elas ficaram muito felizes de eu estar expondo que a Isa sempre existiu", nos conta a Isa.

É fato que há um longo caminho a ser percorrido para que mais histórias como a de Isabela venham à tona e outras empresas se comprometam com a mudança social, para isso, a Isa nos deixa com uma mensagem de fortalecimento, "Nunca é tarde para ser quem você é. Não tenha medo. A sua felicidade é a sua felicidade". Por outro lado, continuaremos a questionar as logos coloridas e suas campanhas simpatizantes em busca do desenvolvimento de verdadeiras contribuições para transformar a realidade do país que mais estigmatiza pessoas trans e travestis no mundo.

Stella Carvalho é poeta, escritora e redatora. - aquivo pessoal - aquivo pessoal
Imagem: aquivo pessoal

* Stella Carvalho é poeta, escritora e redatora. Pesquisadora e artista das palavras, a baiana radicada em Sergipe desenvolve os seus trabalhos a partir de ritualísticas (im)possíveis com a linguagem verbal. Entre as suas principais atividades, destacam-se a apresentação e coprodução da Koletyva Mulungu, espaço de fomento às culturas preta e indígena em Sergipe; a construção de narrativas, tom de voz e soluções estratégicas em copy para campanhas publicitárias; além da elaboração de ficções especulativas correlacionadas aos atravessamentos de espiritualidades africanas, como o seu primeiro livro autoral, lançado de forma independente em 2021, A Mantenedora do Ritual.